Fecundação
Teus olhos me olham
longamente,
imperiosamente...
de dentro deles teu amor me espia.
Teus olhos me olham numa tortura
de alma que quer ser corpo,
de criação que anseia ser criatura
Tua mão contém a minha
de momento a momento:
é uma ave aflita
meu pensamento
na tua mão.
Nada me dizes,
porém entra-me a carne a pesuasão
de que teus dedos criam raízes
na minha mão.
Teu olhar abre os braços,
de longe,
à forma inquieta de meu ser;
abre os braços e enlaça-me toda a alma.
Tem teu mórbido olhar
penetrações supremas
e sinto, por senti-lo, tal prazer,
há nos meus poros tal palpitação,
que me vem a ilusão
de que se vai abrir
todo meu corpo
em poemas.
Gilka Machado - in Sublimação, 1928
Nossa primeira poeta erótica nasceu no dia 12 de março de 1893. Sua poesia chocava a sociedade da época e como é comum em tudo que foge aos padrões, foi repudiada por muitos. Era chamada de "matrona imoral". Nada que afetasse Gilka de modo especial, ela seguiu em frente estreiando na literatura quando já estava casada.
"Quando, longe de ti, solitária medito/ neste afeto pagão que envergonhada oculto,/ vem-me às narinas, logo, o perfume esquisito/ que teu corpo desprende e há no teu próprio vulto."
Gilka foi a primeira brasileira que ousou falar de sexo em seus livros. Naquele tempo havia dois papéis para a mulher, ou era santa ou prostituta. Gilka não se enquadrava em nenhum dos dois, era apenas uma mulher que escrevia sobre os desejos comuns a todos, independente de genêro. Foi combatida por isso.
Além de poeta, Gilka foi uma das fundadoras do Partido Republicano Feminino ou seja, tinha uma visão muito clara do papel da mulher na sociedade. Gilka e sua poesia representavam a voz feminina e o que nela estava reprimida, como bem ficou exemplicado nessa analogia: "ser mulher na sua época era ter o destino de Tântalo, o personagem grego que foi castigado pelos deuses por ter apresentado o manjar aos homens. Sempre que ele tinha sede, a água do rio se retraía e o impedia de bebê-la e, sempre que tinha fome, as árvores recolhiam seus ramos frutuosos para que ele não pudesse comê-los".
Infelizmente, Gilka Machado seguiria a sina daqueles que rompem as barreiras, morreria no dia 17 de dezembro de 1980, praticamente desconhecida e sem o devido reconhecimento senão pela sua poesia, pela grande mulher que foi abrindo caminho para as femininstas de plantão.
Beijo
Embora dos teus lábios afastada
(Que importa? - Tua boca está vazia...)
Beijo esses beijos com que fui beijada
Beijo teus beijos, numa nova orgia
Inda conservo a carne deliciada pela
tua carícia que mordia, que me enflorava a pele,
pois, em cada beijo dos teus uma saudade abria
Teus beijos absorvi-os,
esgotei-os: guardo-os nas mãos, nos lábios e
nos seios, numa volúpia imorredoura
e louca
Em teus momentos de lubricidade,
beijarás outros lábios, com saudade dos beijos que
ganhei de tua boca
Gilka Machado
Leia: http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia/poesia/index.cfm?fuseaction=Detalhe&CD_Verbete=484
http://www.secrel.com.br/jpoesia/gm.html
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