Dia Nacional da Poesia

Hoje não tem prosa, só os versos daqueles que eternizam sentimentos.







O poeta



Em meus arroubos de infância
numa doce ignorância
julgava eu que os poetas
pelas mãos de Deus,benditos
eram homens pudicos, profetas

E adolescente ainda
pensava, coisa mais linda
viajar todo o universo
retendo entre as mãos a sorte
de voar do sul ao norte
nas asas de um só verso

Não sei bem porque, um dia
juntei toda a fantasia
daqueles sonhos de infância
à dura realidade da minha maturidade

E fiz primeira instância
Desde então versei saudade
tristeza, amor, liberda

Tudo quanto a vida ensina
Compreendi que ser poeta
não é profissão ou meta
é dom natural, é sina

Todos têm a mesma sorte
o direito à vida e à morte
E quando o fim se aproxima
a diferença é uma só
muitos retornam ao pó

o poeta...vira rima

Vera Bauer








Soneto



E quando nós saímos era a Lua,
Era o vento caído e o amor sereno
Azul e cinza-azul anoitecendo
A tarde ruiva das amendoeiras.

E respiramos, livres das ardências
Do sol, que nos levara à sombra cauta
Tangidos pelo canto das cigarras
Dentro e fora de nós exasperadas.

Andamos em silêncio pela praia.
Nos corpos leves e lavados ia
O sentimento do prazer cumprido.

Se mágoa me ficou na despedida
Não fez mal que ficasse, nem doesse –
Era bem doce, perto das antigas.


Rubem Braga - 1947










Poemas de saliva



Deslizo poemas de saliva
No rascunho da tua pele
Rimas profanas, estrofes abissais
O sentido profundo de um verso
Fala a língua dos teus gestos
Em convulsões gramaticais

Poemas recatados na tua pele sem pecado
Poemas de navalha no teu corpo sem perdão
A figura de linguagem do desejo
Fala a língua do meu beijo
Sem tradução


Ricardo Kelmer








Não é verdade a tua solidão


Não é verdade a tua solidão. A um canto,
do lado de fora, meu coração espera:
fênix dolorosa, consome-se e renasce,
fiel. Quem sabe,
quando abrires uma fresta em tua porta,
te alegrarás vendo-o aí, guardando
essa luz que se alastrará por rios sem fim
de uma geografia desconhecida:
e só os escolhidos entenderão.



Lya Luft











Beijo


Eu quero um beijo glauberiano,
que me devolva o insano riso
o instante impreciso das línguas
corrompendo as horas.

Eu quero um beijo,
tem que ser lá fora
no quintal do mundo, onde num
segundo os lábios se maltratam
mas não se desatam deste gosto quente,
deste gesto em frente toda vizinhança.

Eu quero um beijo que interrompa a
dança
desta despedida.
E que tire do sério todo este hemisfério
de razão contida.


Edmilson Felipe








Lembrar-se

Escrever é tantas vezes lembrar-se do que nunca existiu. Como conseguirei
saber do que nem ao menos sei? assim: como se me lembrasse. Com um esforço
de "memória", como se eu nunca tivesse nascido. Nunca nasci, nunca vivi: mas
eu me lembro, e a lembrança é em carne viva.

Clarice Lispector

cartões: nave da palavra e arte pau-brasil.

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