Ernesto Sábato argentino nascido no dia 24/06/1911 é doutorado em Física.
Antes que vocês se perguntem: o que um físico faz por aqui? Pois é, para quem não conhece, esse físico é também escritor, um grande paradoxo que rendeu livros interessantíssimos.
Aos trinta anos, Sábato deixou uma brilhante carreira científica para dedicar-se a literatura produzindo textos de ficção, ensaios e críticas.
"Certa vez Sabato comentou os três grandes choques de sua vida. Primeiro, a crença no socialismo desabou após o stalinismo. Depois, sua crença na ciência foi abalada com a construção da bomba atômica. Por último, o contato com os surrealitas lhe abriu novas possibilidades para compreender o mundo e lidar com a perda de suas antigas utopias. Desses três choques, aliados a um vasto conhecimento literário, surge O Escritor E Seus Fantasmas. "
Em O Escritor e seus Fantasmas, Sábato avisa: que sua obra pretende ser como conselho aos jovens escritores. Jovens escritores, afinal, são assim mesmo: capazes de perseguir seus ídolos nas letras em busca de palavras esclarecedoras, que, talvez, tornem seu exercício menos penoso.
O livro, muito bom por sinal, é uma ampla discussão sobre a função do romance, sua viabilidade e alcance. Uma pérola, sem dúvida para iniciantes ou não, no mundo das letras.
Mas é em "O Túnel", de 1948 que o escritor deixa de lado os temas sociais de sua obra e fala de amor, ou melhor, de ciúme, posse e tragédia. Questionamentos pra lá de atuais como: é possível amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo? Qual o limite sobre o objeto amado, até onde ir? É interessante o modo com que ele conduz a trama e como ela é atual.
"O Túnel" conta a história de Juan Pablo Castel, um pintor que, como o próprio afirma no começo do livro, matou sua amante Mária Iribarne. Para Sábato, o importante não é a intriga aparentemente policial, mas sim as manifestações de um espírito atormentado pela incomunicabilidade e por uma obsessão que o impossibilita de ter aquilo que os filósofos cristãos chamam de "a contemplação amorosa". Castel escreve sua descida aos infernos como se fosse um patético adolescente que quer Mária, apenas para possuí-la como um dos detalhes de seus quadros. A imagem de um túnel que impede os contatos entre dois seres humanos, é a forma como Sábato conseguiu reproduzir a grande muralha que envolve o relacionamento homem-mulher nos dias de progresso tecnológico e utopias desvirtuadas."
Parece familiar? Pois é, este é um dos encantos de Ernesto Sábato, a ficção sai dos livros e encontra paralelo na vida do leitor de modo absurdamente real. Recomendo.
O Túnel (trecho)
Voltei para casa com a sensação de uma absoluta solidão.
Em geral, essa sensação de estar só no mundo aparece mesclada a um orgulhoso sentimento de superioridade: desprezo os homens, acho que são sujos, feios, incapazes, ávidos, grosseiros, mesquinhos; minha solidão não me assusta, é quase olímpica.
Mas naquele momento, como em outros semelhantes, encontrava-me só em conseqüência de meus piores atributos, de minhas baixas ações. Nesses casos sinto que o mundo é desprezível, mas compreendo que eu também faço parte dele; deixo-me afagar pela tentação do suicídio, me embriago, procuro as prostitutas. E sinto certa satisfação em provar minha própria baixeza e em verificar que não sou melhor do que os sujos monstros que me rodeiam.
(...)
A vida aparece à luz desse raciocínio como um longo pesadelo, do qual, no entanto, cada um pode libertar-se com a morte, que seria, assim, uma espécie de despertar. Mas despertar para quê? Essa irresolução de lançar-me ao nada absoluto e eterno foi o que me deteve em todos os meus projetos de suicídio. Apesar de tudo, o homem é tão apegado ao que existe que acaba preferindo suportar sua imperfeição e a dor que causa sua fealdade, a aniquilar a fantasmagoria com um ato de vontade própria(...).
(Retirado de O Túnel, Ernesto Sabato, Companhia das Letras)
Leia: http://planeta.terra.com.br/arte/bscene/literatura/sabato.htm
http://www.anhembi.br/portal/canais/colunas/literatura/coluna103/
Comentários