O único livro que li de André Gide, foi Moedeiros Falsos. Faz muito tempo e não lembro da história com clareza, lembro somente de uma página, não só por tê-la transcrito, como pela beleza e intensidade do texto. Era uma carta, precisamente esta:
...
Ele parece não ter noção de seu poder. Para mim que penetro no segredo de meu coração, fica claro que até hoje não escrevi uma só linha que ele não tenha inspirado. Não vejo nada, não ouço nada, sem imediatamente pensar: O que diria ele?
Abandono minha emoção e conheço apenas a sua. Parece-me mesmo que, se ele não estivesse aqui para me definir, minha própria personalidade se desfaria em contornos vagos; não me reúno nem me defino, senão em torno dele. Por qual ilusão pude acreditar até hoje que o formava a minha semelhança ? Ao passo que, ao contrário, era eu quem me dobrava à sua, e não me apercebia ! Ou melhor: por um estranho cruzamento de influências amorosas, nossos dois seres, reciprocamente, se deformavam. Involuntariamente, inconscientemente, cada um de dois seres que se amam molda àquele ídolo que contempla no coração do outro...
Abandono minha emoção e conheço apenas a sua. Parece-me mesmo que, se ele não estivesse aqui para me definir, minha própria personalidade se desfaria em contornos vagos; não me reúno nem me defino, senão em torno dele. Por qual ilusão pude acreditar até hoje que o formava a minha semelhança ? Ao passo que, ao contrário, era eu quem me dobrava à sua, e não me apercebia ! Ou melhor: por um estranho cruzamento de influências amorosas, nossos dois seres, reciprocamente, se deformavam. Involuntariamente, inconscientemente, cada um de dois seres que se amam molda àquele ídolo que contempla no coração do outro...
Andre Gide - livro Moedeiros Falsos
Gide teve uma vida reprimida por uma mãe absurdamente puritana e reprimida, que fez dele um homem que trazia dentro de si uma revolta surda, uma ânsia de liberdade que só encontro na literatura.
Nos seus livros o caráter reprimido pertence sempre às personagens femininas elas detêm a moral em suas mãos. À figura masculina pertence os prazeres, a liberdade, poesia e luxúria.
Nos seus livros o caráter reprimido pertence sempre às personagens femininas elas detêm a moral em suas mãos. À figura masculina pertence os prazeres, a liberdade, poesia e luxúria.
Na vida real Gide reproduz o seu pensamento. Casa-se com uma prima com quem mantém um casamento imaculado. Homossexual assumido vai em busca dos prazeres reprimidos sem qualquer pudor. Sua esposa é alçada a figura de santa, tal qual sua mãe.
Certamente Gide tem uma obra consistente que merece ser lida com atenção, mas não com olhos moralistas. Gide é para aqueles que sabem que uma pergunta pode ter diversas respostas.
andrea augusto©angelblue83
André Gide nasceu em l869 e faleceu num dia 19 de fevereiro de 1951, foi a vida inteira um ser dividido entre a ética e a estética, as dimensões apolínea e dionisíaca da existência. De origens aristocráticas e rígida formação protestante, homossexual declarado, inclinado ao isolamento, participou intensamente da vida intelectual francesa, criticou acidamente o colonialismo e preocupou-se com a questão social, tendo mesmo flertado com o comunismo durante alguns anos.
Seus primeiros livros, de estética simbolista, refletem as preocupações morais que nunca o abandonaram. Os frutos da terra, de 1897, mostram um outro André Gide, sensual, hedonista, entregue à celebração dos prazeres carnais. Paludes, escrito em 1895, fina sátira do meio parisiense de então, em certo sentido já o anuncia. Foi escrito em plena crise espiritual, por um Gide ainda preso aos laços familiares, sociais e religiosos com os quais posteriormente romperia para anunciar o reinado do ato puro", feito apenas por simples prazer pelo homem" disponível". Este livro é justamente um relato dessa dolorosa transição, narrado por um jovem ainda sem certeza do rumo a seguir, mas já senhor da escrita neoclássica e do amor à verdade que lhe valeriam o Prêmio Nobel de 1947.
Leia: http://www.vidaslusofonas.pt/andre_gide.htm
http://www.estado.estadao.com.br/editorias/2002/06/29/cad028.html
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