A insustentável leveza do amor.
"Quanto mais pesado o fardo, mais próxima da terra está a nossa vida, e mais ela é real e verdadeira. Por outro lado, a ausência total de fardo faz com que o ser humano se torne mais leve do que o ar, com que ele voe, se distancie da terra, do ser terrestre, faz com que ele se torne semi-real, que seus movimentos sejam tão livres quanto insignificantes. Então, o que escolher? O peso ou a leveza?
Não existe meio de verificar qual é a boa decisão, pois não existe termo de comparação. Tudo é vivido pela primeira vez sem nunca ter ensaiado. Mas o que pode valer a vida, se o primeiro ensaio da vida já é a própria vida?
...deitar com uma mulher e dormir com ela, eis duas paixões não somente diferentes mas quase contraditórias. O amor não se manifesta pelo desejo de fazer amor (esse desejo se aplica a uma série inumerável de mulheres), mas pelo desejo do sono compartilhado (este desejo diz respeito a uma só mulher).
Mas o homem, porque não tem senão uma vida, não tem nenhuma possibilidade de verificar a hipótese através de experimentos, de maneira que não sabe nunca se errou ou acertou ao obedecer a um sentimento.
Muitas vezes nos refugiamos no futuro para escapar do sofrimento. Imaginamos uma linha na pista do tempo, e pensamos que a partir dessa linha o sofrimento presente deixará de existir.
Parece que existe no cérebro uma zona específica, que poderíamos chamar memória poética, que registra o que nos encantou, o que nos comoveu, o que dá beleza à nossa vida... o amor começa no momento em que uma mulher se inscreve com uma palavra em nossa memória poética."
"Não se brinca com metáforas. O amor pode nascer de uma simples metáfora."
"A Insustentável Leveza do Ser", de Milan Kundera
"A menor emoção amorosa, de felicidade ou de aborrecimento, faz Werther chorar (personagem fictício). Werther chora com freqüência, muita freqüência e abundantemente. Em Werther é o enamorado que chora ou o romântico? Será talvez uma discussão própria do tipo apaixonado se deixar levar pelo choro? Submetido ao Imaginário, ele faz pouco caso da censura que mantém hoje o adulto longe das lágrimas e pela qual o homem pensa afirmar sua virilidade. Liberando suas lágrimas, ele segue as ordens do corpo apaixonado, que é um corpo encharcado, em expansão líquida. Ao chorar, quero impressionar alguém, pressioná-lo ("Veja o que faz de mim"). Talvez seja - e geralmente é - o outro que se quer obrigar desse modo a assumir abertamente a sua comiseração ou sua insensibilidade; mas talvez seja também eu mesmo: me faço chorar para me provar que minha dor não é uma ilusão: as lágrimas são signos e não expressões. Através de minhas lágrimas conto uma história, produzo um mito da dor, e a partir de então me acomodo: posso viver com ela, porque, ao chorar, me ofereço um interlocutor empático que recolhe a mais "verdadeira" das mensagens, a do meu corpo e não a da minha língua: "Que são as palavras? Uma lágrima diz muito mais".
"Elogio das Lágrimas", de Schubert
É o teu rosto ainda que eu procuro
Através do terror e da distância
Para a reconstrução de um mundo puro.
Ausência
Num deserto sem água
Numa noite sem lua
Num país sem nome
Ou numa terra nua
Por maior que seja o desespero
Nenhuma ausência é mais funda do que a sua.
Eis-me
Eis-me
Tendo-me despido de todos os meus mantos
Tendo-me separado de adivinhos mágicos e deuses
Para ficar sozinha ante o silêncio
Mas tu és de todos os ausentes o ausente
Nem o teu ombro me apoia
Nem a tua mão me toca
O meu coração desce a escada do tempo em que não moras
E o teu encontro
São planícies e planícies de silêncio
Escura é a noite
Escura e transparente
Mas o teu rosto está para além do tempo opaco
E eu não habito os jardins do teu silêncio
Porque tu és de todos os ausentes o ausente.
"Obra Poética", de Sophia de Mello Breyner Andresen
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