Marguerite Duras



Ontem à noite


Ontem à noite, depois da sua partida definitiva, fui para aquela sala do rés-do-chão que dá para o parque, fui para ali onde fico sempre no mês de junho, esse mês que inaugura o Inverno. Tinha varrido a casa, tinha limpo tudo como se fosse antes do meu funeral. Estava tudo depurado de vida, isento, vazio de sinais, e depois disse para comigo: vou começar a escrever para me curar da mentira de um amor que acaba. Tinha lavado as minhas coisas, quatro coisas, estava tudo limpo, o meu corpo, o meu cabelo, a minha roupa, e também aquilo que encerrava o todo, o corpo e a roupa, estes quartos, esta casa, este parque. E depois comecei a escrever...

Marguerite Duras - Tradução de Tereza Coelho - Textos Secretos, Quetzal Editores, 1992 - Lisboa, Portugal



Yann Andréa tinha apenas 27 anos quando se apaixonou por Marguerite Duras, naquela época uma senhora de 65 anos. No início dos anos 70, Yann tomou conhecimento daquela que seria seu grande amor, atravês de seus livros. A partir desse momento, deixou de lado todos os outros livros (Kant, Hegel, Espinoza, Stendhal, Marcuse) e leu toda a obra da autora. Em 1975 a veria pela primeira vez e teria a confirmação, nunca mais a deixaria. Seguiram-se muitas cartas e finalmente o encontro. Em 1980, tomou coragem e bateu à sua porta em Trouville, ficaram juntos por 16 anos até o dia do falecimento de Marguerite, no dia 03/03/1996.

A vida com esse monstro sagrado estava longe de ser tranquila. Foram anos turbulentos, onde a personalidade forte de Marguerite dominava todo o ambiente e a própria relação. Sua vida não tinha sido fácil apesar de marcada pelo sucesso. Yann fazia parte dela e seria apenas o capítulo final de uma história que começaria em 1914.


Marguerite Duras - o pseudônimo do seu verdadeiro nome, Marguerite Donnadieu - nasceu pouco antes do eclodir da I Guerra Mundial, a 4 de Abril de 1914, em Gia Dinh, na Indochina. Passou a infância e a adolescência nessa antiga colónia francesa, sempre fascinada pela figura da mãe e assombrada pela imagem do irmão mais velho, Pierre.

Aos dezoito anos, viaja até Paris, onde se dedica ao estudo do Direito, Matemática e Ciência Política. Em 1943, publica o seu primeiro romance, "Les Impudents" , no mesmo ano em que entra no núcleo de acção de François Mitterrand, na altura o chefe da resistência Morland. Sete anos depois, o livro "Uma Barragem Contra o Pacífico" coloca Duras na linha da frente para o prestigiado prémio literário Goncourt. Acaba por não o ganhar. No entanto, o galardão chega-lhe às mãos em 1984, aquando da publicação de "O Amante", o seu mais mediático romance, adaptado ao cinema pelo realizador francês Jean-Jacques Annaud, em 1991. Duras não gostou e cortou definitivamente as estreitas relações que, até então, mantinha com o mundo cinematográfico - com efeito, o seu nome ficou para sempre associado a um filme de referência, "India Song", que realizou em 1975.

Os seus ataques de mau gênio, bem como o seu radicalismo político - ao aderir a movimentos feministas ou quando refere que o lançamento de bombas atómicas sobre os Estados Unidos seria a única hipótese de pôr termo ao sofrimento dos vietnamitas -, eram sobejamente conhecidos. Contudo, soube criar meticulosamente a sua lenda, construindo um universo próprio, misturando realidade e ficção.

Em 1995, o ano que precedeu a sua morte, Duras estava consciente de que a sua vida tinha chegado ao fim, depois dos seus sucessivos comas etílicos e do deambular eterno pelos labirintos da solidão. "Creio que terminou. Que a minha vida acabou. Já não sou nada. Tornei-me completamente assustadora. Já não me aguento. Vem depressa. Já não tenho boca, rosto." Morre em Paris, a 3 de Março de 1996, aos 81 anos de idade.

Mas nunca gostou que contassem a sua vida. Porque, como disse um dia: "A história da minha vida não existe. Isso não existe. Nunca há centro. Nem caminho, nem linha. Há vastas passagens em que se insinua que houve alguém, mas é certo que não houve ninguém." M.T.S.



Leia: http://www.publico.pt/cmf/autores/margueriteDuras/perfil.htm
http://www.ambafrance.org.br/abr/label/label24/letras/duras.html

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