Epitáfio


Eu parto com o ar - sacudo minha neve branca ao sol que foge
Desfaço minha carne em redemoinhos de espuma,
Entrego-me ao pó para crescer nas ervas que amo;
Se queres ver-me novamente, procura-me sob teus pés.
Dificilmente saberás quem sou ou o que significo;
Não obstante serei para ti boa saúde
E filtrarei e comporei teu sangue.
E se não conseguires encontrar-me, não desanimes;
O que não está numa parte esta noutra
Em algum lugar estarei a tua espera.

Walt Whitman







Walt Whitman nasceu em West Hills, Huntington (Long Island), a 31 de Maio de 1819, e foi educado com a rigidez característica dos quakers, comunidade de que sua mãe, fazia parte. Criança solitária, passava o tempo a vaguear pelas colinas ou a andar de barco pela costa oceânica.
De família pobre e numerosa começou a trabalhar cedo. Foi tipógrafo, mestre-escola, efémero director de um jornal diário (o Aurora), operário agrícola, enfermeiro, empregado de escritório.

"A poesia de Whitman se prende, substancialmente, às concepções por ele esboçadas no Prefácio da primeira edição de Leaves of Grass (suprimido nas edições subseqüentes em decorrência das violentas críticas de que foi alvo). Inspirado por Emerson, Whitman afirmou ali que "o maior poeta" só pode ser alguém que, amando profundamente o universo, possui o maior alcance, tanto no espaço quanto no tempo, pois seu domínio abarca toda a natureza e toda a história. Conhecendo o passado e o presente, ele pode igualmente prever o futuro, conhecer os recessos da alma humana e comungar com a divindade. É, em suma, um profeta, que há de substituir os sacerdotes das decadentes religiões estabelecidas."

Whitman era um poeta das massas, Tomava para si as grandes causas humanitárias, traduzindo em versos o que o espanto lhe provocava. Sua obra a princípio teve pouca repercussão, mas ele viveria o bastante para conhecer o sucesso e ter o devido reconhecimento.
A 26 de Março de 1892, aos 72 anos, morre paralítico. Foi sepultado em Camden (New Jersey).





Uma mulher espera por mim


Uma mulher espera por mim, nela tudo se contém, não falta nada,
No entanto faltaria tudo se lhe faltasse o sexo ou a humidade do homem certo.
Tudo se contém no sexo, corpos, almas,
Significados, provas, purezas, delicadezas, proclamações, efeitos,
Ordens, canções, higidez, orgulho, o mistério materno, o leite seminal,
As esperanças todas, bens, outorgas, todas as paixões, belezas, amores,
os deleites da terra,
Todos os governos, juizes, deuses, o cortejo de pessoas da terra,
Tudo se contém no sexo como partes de si e justificações de si.
Sem pejo o homem de quem gosto sabe e confessa as delicias do sexo,
Sem pejo a mulher de quem eu gosto sabe e confessa as do sexo dela.
Pois eu me afasto das mulheres insensíveis,
Para ficar com a que espera por mim, e com as mulheres de sangue
quente que me satisfazem,
Eu vejo que elas me compreendem e não me repudiam,
Vejo que são dignas de mim e eu serei delas o marido vigoroso.
Essas mulheres não são em nada inferiores a mim,
Têm o rosto tisnado pelo brilho dos sóis e pelo sopro dos ventos,
Há na carne delas, antigas e divinas, agilidade, força,
Elas sabem nadar, remar, montar, lutar, atirar, correr, bater,
recuar, avançar, resistir, defender-se sozinhas,
São supremas por direito próprio - são calmas, límpidas, donas de si mesmas.
Puxo vocês para junto de mim, mulheres,
Não as posso deixar ir. vou lhes fazer bem
Existo para vocês e vocês para mim, não apenas para o nosso bem,
mas para o bem dos outros,
Envoltos em você dormem grandes heróis e bardos,
Eles se recusam a acordar pelo toque de outro homem que não eu.
Sou eu, mulheres, abro o meu caminho,
Sou severo, cáustico, indissuadível, mas amo vocês,
Não as machuco mais que o necessário a vocês mesmas,
Derramo a substância geradora de filhos e filhas dignos destes
Estados, assedio com músculo pausado e rude,
Me firmo eficazmente, não dou ouvido a rogos,
Não ouso retirar-me sem depositar o que há de muito acumulei dentro de mim.
Através de vocês eu dreno os rios enclausurados de mim mesmo
Em vocês concentro mil anos de futuro,
Em vocês faço enxerto dos tão amados por mim e pela América,
As gotas que em vocês destilo farão medrar moças atléticas e ardentes, novos artistas, músicos, cantores,
As crianças que em vocês procrio vão procriar, por sua vez, outras crianças,
Exigirei, dos meus dispêndios amorosos, homens e mulheres perfeitos,
Eles irão se interpenetrar, espero, como eu e você agora nos interpenetramos,
Contarei com os frutos dos generosos aguaceiros deles como conto
com os frutos dos aguaceiros que ora entorno.
Vou ficar à espera das ternas colheitas do nascimento, vida, morte, imortalidade
Que tão amorosamente planto agora.


Walt Whitman

(Tradução José Paulo Paes)

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