"A vida é uma tragédia quando vista de perto,
mas uma comédia quando vista de longe"
...
VI
Já não penso em ti. Penso no ofício
a que te entregas. Estranho relojoeiro
cheiras a peça desmontada: as molas unem-se,
o tempo anda. És vidraceiro.
Varres a rua. Não importa
que o desejo de partir te roa; e a esquina
faça de ti outro homem; e a lógica
te afaste de seus frios privilégios.
Há o trabalho em ti, mas caprichoso,
mas benigno,
e dele surgem artes não burguesas,
produtos de ar e lágrimas, indumentos
que nos dão asa ou pétalas, e trens
e navios sem aço, onde os amigos
fazendo roda viajam pelo tempo,
livros se animam, quadros se conversam,
e tudo libertado se resolve
numa efusão de amor sem paga, e riso, e sol.
O ofício é o ofício
que assim te põe no meio de nós todos,
vagabundo entre dois horários; mão sabida
no bater, no cortar, no fiar, no rebocar,
o pé insiste em levar-te pelo mundo,
a mão pega a ferramenta: é uma navalha,
e ao compasso de Brahms fazes a barba
neste salão desmemoriado no centro do mundo oprimido
onde ao fim de tanto silêncio e oco te recobramos.
Foi bom que te calasses.
Meditavas na sombra das chaves,
das correntes, das roupas riscadas, das cercas de arame,
juntavas palavras duras, pedras, cimento, bombas, invectivas,
anotavas com lápis secreto a morte de mil, a boca sangrenta
de mil, os braços cruzados de mil.
E nada dizias. E um bolo, um engulho
formando-se. E as palavras subindo.
Ó palavras desmoralizadas, entretanto salvas, ditas de novo.
Poder da voz humana inventando novos vocábulos e dando sopros exaustos.
Dignidade da boca, aberta em ira justa e amor profundo,
crispação do ser humano, árvore irritada, contra a miséria e a fúria dos ditadores,
ó Carlito, meu e nosso amigo, teus sapatos e teu bigode
caminham numa estrada de pó e de esperança.
Fragmento - Canto ao Homem do Povo - Charles Chaplin - Carlos Drummnod de Andrade.
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Natal é sempre uma data delicada, alias, Natal e Reveillon lembram sempre amores que se foram, seja pela vida ou pela morte, faz parte do pacote da vida.
Mas ontem dando uma zapeada na Tv pra fugir dos especiais de Natal, parei no Canal Futura que exibia um documentário excelente sobre Charles Chaplin. Parei, fascinada.
"A arte de Charles Chaplin" que repete hoje no mesmo canal às 21 horas é maravilhoso! O documentário disseca a vida de Chaplin, com depoimentos de Woody Allen, Martin Scorsese, Johnny Depp, Robert Downey Jr., familiares de Chaplin. Cada filme é observado sob uma ótica diferente. A história é contada, recontada com fartura de imagens e detalhes interessantíssimos.
Foi maravilhoso rever cenas antológicas desse gênio do cinema, saber detalhes das filmagens, soluções surpreendentes, dados autobiográficos contidos em cada cena, da infância miserável a perdas jamais superadas.
Depois de ontem, aquele que seria mais um Natal, foi diferente graças a ele. Por algumas horas não pensei no passado, em pessoas que se foram e até em desconhecidos espalhados pelo mundo com seus problemas e mazelas desse século tão individualista. Tudo parou por causa dele. Quer saber? Depois de ontem cheguei a uma conclusão: definitivamente Papai Noel existe.
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É hoje, 25/12/07, no Canal Futura, 32 às 21:00, o Documentário "A arte de Charles Chaplin." Não percam, é simplesmente divino!
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Comentários
Engraçado, mas semana passada vi o mesmo vídeo, no mesmo canal, quase um ano depois que o publicou. Realmente é maravilhoso! Quem puder, assista-o que não se arrependerão! Parabéns pelo blog e um feliz 2009.
ZAn.