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Ando relendo pela enésima vez “A insustentável leveza do ser”, de Milan Kundera. Amo esse cara e em especial esse livro. Quando preciso resolver certas questões, sempre volto a esse livro sem perceber. Leio e depois vejo o filme e nunca é como das outras vezes. Encontro respostas, tenho insights e melhor renovo perguntas.
Kundera consegue falar sobre o amor num triângulo amoroso dentro de uma história aparentemente simples.
A insustentável leveza do ser conta a história de Tomas um médico-cirurgião, auto-suficiente em tudo, tem por hábito não se apegar em nada e nem por ninguém, deste modo sua vida tem uma reviravolta quando conhece Teresa, que é seu oposto e vive buscando uma fortaleza alheia. Uma gripe desencadeia o fio condutor da trama: Tomas agora tem que cuidar dela e de certo modo desenvolve um sentimento de compaixão que acaba se confundindo com o do amor. Paralelo a isto está sua amante, Sabina, que funciona como uma válvula de escape, um mecanismo que faz ele se sentir leve quando necessário.
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Tomas, na verdade se recusa a carregar o peso da vida, vivendo sem nenhum compromisso com quaisquer problemas sejam de ordem política, nas relações amorosas, enfim, o personagem escolhe ser “leve”, ou seja, livre. Ele encontra paralelo na bela Sabina, uma espécie de Tomas de saia. Com ela, o sexo é ótimo, a troca intelectual também e a liberdade de ir e vir sem cobranças. Perfeito para Tomas, não fosse a insatisfação humana uma constante na vida de todos. Tão leve, tão fácil, mas e o peso da vida, o preço da liberdade, o amor e a responsabilidade que o envolve?
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mas, na verdade, será atroz o peso e belo a leveza?
o mais pesado fardo nos esmaga, nos faz dobrar sob ele, nos esmaga contra o chão. Na poesia amorosa de todos os séculos, porém, a mulher deseja receber o peso do corpo masculino. O fardo mais pesado é, portanto, ao mesmo tempo a imagem da mais intensa realização vital. Quanto mais pesado o fardo, mais próxima da terra está nossa vida, e mais ela é real e verdadeira.
(trecho do livro " A insustentável leveza do ser", de Milan Kundera).
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E Teresa? Teresa é tudo que ele não queria na sua confortável vida.
Ele conhecera Teresa umas três semanas antes, numa cidadezinha tcheca. Não haviam passado sequer uma hora juntos. Ela o acompanhara até a estação, aguardando a seu lado até que ele embarcasse no trem. Dez dias mais tarde, foi visitá-lo. Fizeram amor no dia em que ela chegou. À noite, ela caiu de cama com febre e, gripada, passou uma semana inteira no apartamento dele.
Tomas acabou por nutrir um amor inexplicável por aquela completa desconhecida; ela lhe parecia uma criança, uma criança que alguém colocara num cesto de vime revestido de piche e enviara rio abaixo, para que Tomas o apanhasse às margens de sua cama.
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Devia chamá-la de volta a Praga para sempre? Temia a responsabilidade. Se a convidasse, ela viria, oferecendo-lhe a própria vida.
Ou devia evitar uma aproximação? Nesse caso, ela permaneceria sendo uma garçonete num restaurante de hotel de uma cidade do interior, e ele jamais a veria de novo.
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Queria ou não que ela viesse?
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Olhando por sobre o pátio para as paredes sujas, Tomas percebeu que não tinha a menor idéia se aquilo era histeria ou amor.
E afligiu-se por, numa situação na qual um homem de verdade saberia de imediato como agir, estar vacilando e privando de seu sentido os momentos mais belos que já vivera (ajoelhado à beira da cama, pensando que não sobreviveria se ela morresse).
Irritou-se consigo próprio, até perceber que, na verdade, era bastante natural que não soubesse o que queria.
Jamais nos é possível saber o que queremos, pois, vivendo uma única vida, não podemos compará-la a nossas vidas anteriores, ou aperfeiçoá-la em vidas futuras.
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“... deitar com uma mulher e dormir com ela, eis duas paixões não somente diferentes mas quase contraditórias. O amor não se manifesta pelo desejo de fazer amor (esse desejo se aplica a uma série inumerável de mulheres), mas pelo desejo do sono compartilhado (este desejo diz respeito a uma só mulher).”
Trecho- A insustentável leveza do ser - Milan Kundera
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“Para um amor se tornar inesquecível é preciso que, desde o primeiro momento, os acasos se reúnam nele como os pássaros nos ombros de São Francisco de Assis.” Trecho- A insustentável leveza do ser - Milan Kundera
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“O amor começa com uma metáfora. Ou, por outras palavras, o amor começa no preciso instante em que, com uma das suas palavras, uma mulher se inscreve na nossa memória poética.” Trecho- A insustentável leveza do ser - Milan Kundera
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Entre a Leveza e o Peso.
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Com qual das duas? Sabina e a leveza do descompromisso, a liberdade sem cobranças ou Teresa e o peso do compromisso, a volta pra casa ou melhor a volta para o lar?
O que procurava em todas essas mulheres? O que é que o atraía? O amor físico não é sempre a eterna repetição do mesmo?
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Não vou colocar aqui o final do livro e a escolha de Tomas, se é que houve uma escolha. Prefiro deixar um bom tema para se pensar.
Não cabe ao amor ser fácil. Se com Teresa, Tomas tinha diante de si um desafio constante. Ela era truncada, pra dentro e ainda assim vulnerável. Sabina era fácil de todos os modos, não sendo isso um defeito ou algo do gênero. Era apenas um acordo tácito de prazer carnal. Conveniente e satisfatório... mas até quando?
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[...] "Com as outras mulheres nunca dormia. Quando ia a casa delas, era fácil, porque podia sair quando lhe apetecia. O caso era mais delicado quando eram elas que vinham a sua casa e lhes explicava que, depois da meia-noite, tinha de levá-las porque sofria de insônia e não conseguia dormir ao lado de outra pessoa. Esta explicação não andava longe da verdade, mas a razão principal era menos nobre e Tomas não se atrevia a confessar às companheiras que, nos momentos que se seguem ao amor, sentia um desejo imperioso de ficar sozinho. Era profundamente desagradável acordar no meio da noite ao lado de uma criatura estranha; o despertar matinal do casal causava-lhe repugnância; não tinha vontade nenhuma que o vissem escovar os dentes no banheiro e a intimidade do pequeno-almoço a dois não lhe dizia nada. (...) Sentia-se quase tentado a dizer que o que procurava no ato sexual não era a volúpia mas o sono que se lhe segue". [..].
Trecho- A insustentável leveza do ser - Milan Kundera.
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