"Eu não tenho nada em comum com as feministas, com sua inflexibilidade. Elas parecem que nunca pensam que alguém pode gostar de homem, ter prazer com eles. O problema é que certas mulheres polêmicas, altamente verbalizadas, só notam os homem quando eles não se comportam bem. Elas nunca notam os homens se eles se comportam bem, porque, é claro, só as mulheres se comportam bem."
Doris Lessing
Há tempos, meu amigo querido, Enio, pede um post sobre ela. Sempre prometi que faria, mas por conhecer tão pouco sobre Doris Lessing, fui protelando, protelando, protelando, até que ela me ganhou totalmente. Explico: ela é tudo que gostaria de ser, ela traduziu muito bem em palavras o que penso sobre os ismos que assolam o planeta, como o feminismo, por exemplo.
Doris Lessing deixou o mundo do feminismo perplexo ao renunciar, aparentemente, às idéias que a consagraram como legítima campeã da causa, dizendo que os homens têm sido muito humilhados e que chegou a hora de por fim a este clima de hostilidade entre os sexos.
Doris, de 85 anos, cujas obras literárias são apreciadas no mundo inteiro, tornou-se um ícone do feminismo muito antes de Betty Friedman, Germaine Greer e Gloria Steinem terem se sobressaído acenando as bandeiras da campanha para por fim à cultura do sexo frágil. E ela escolheu um excelente auditório internacional para repudiar o feminismo, na sua atitude de ''vilipendiar os homens, sem pensar'': o Festival Internacional de Edimburgo, o maior da Europa, onde este ano estiveram presentes representantes de 51 países.
''Chegou a hora de começarmos a nos perguntar quem são estas mulheres que continuamente desclassificam os homens. Hoje em dia, mulheres estúpidas e ignorantes podem insultar homens mais capazes do que elas, sem que se eleve o mais mínimo protesto'', disse Doris com a autoridade de quem escreveu "The Golden Notebook" (1962), o livro imediatamente reconhecido como o mais pujante documento de defesa do feminismo.
Em toda a sua carreira literária, Doris defendeu as minorias. Hoje, ela crê, no entanto, que as mulheres deveriam dedicar mais energia na mudança de legislações que lhes são desfavoráveis, em vez de se apegarem a críticas contínuas ao papel dos homens. ''Há atualmente mulheres maravilhosas em todos os campos, mas por que isto tem de ocorrer a um preço tão alto para os homens?'', indaga Doris.
Nem tudo, porém, são críticas neste ímpeto por justiça para os homens. Doris reconhece que foi graças ao feminismo que muita coisa mudou.
A capacidade de reconhecer que um movimento já deu o que tinha que dar e levar isso a público não é pra qualquer um. Mas Doris está longe de ser qualquer uma.
Doris May Lessing nasceu em outubro de 1919 em Kermanshahan, onde é agora o Irã. Abandonou os estudos aos 14 anos, morou na antiga Rodésia, hoje Zimbabwe, foi muito bonita, casou-se em 1939, divorciando-se dez anos depois, tem um casal de filhos, escreveu em 1950 The Grass is Singing, o seu primeiro livro, entrou para o Partido Comunista britânico em 1951, deixou-o em 1956, quando soube da violência cometida por Stalin contra os que a ele se opuseram.
Mulher ativa e militante comunista, publica seu primeiro romance, "A Canção da Relva", em 1949 - no qual descreve um fato real ocorrido na África: o caso de um negro que mata a patroa (branca) com quem mantinha relações sexuais. Por abordar tão abertamente o tema do racismo, o romance, naturalmente, provocou muito escândalo. Foi proibido na Rodésia e na África do Sul, e a autora foi considerada uma "imigrante proibida".
Doris assim descreve a África em que passou 30 anos de sua vida: "Junto a nós, inúmeras famílias brancas de classe média haviam deixado a Inglaterra para buscar a riqueza do continente negro. Era um pedaço de "civilização branca" especialmente estúpido e sem imaginação."
Desse sentimento de revolta pela espoliação dos negros pelos brancos, da mediocridade da vida desses últimos e da genuína admiração pelos esforços da população nativa em reverter o quadro da exploração racial, cultural e econômica, originam-se as principais vertentes temáticas de sua obra: a denúncia do racismo na África, a luta pela emancipação feminina e a exaltação das qualidades da população negra.
"Para mim, parece-me assim. Não é nenhum horror - isto é, pode ser terrivel, mas não é a destruição, não é um envenenamento - passar sem aquilo de que de facto se precisa... O que é um horror é fingir que aquilo que é de segunda classe é de primeira. Fingir que não se precisa de amar, se se precisa; ou que estamos satisfeitos com aquilo que fazemos, quando se sabe muito bem que podemos fazer melhor."
Doris Lessing, The Golden Notebook
Doris Lessing, The Golden Notebook
Leia: http://www.ig.com.br/home/igler/artigos/0,,699933,00.html
http://lessing.redmood.com/
** Nota triste: Tô arrasada. Morreu Marlon Brando. Hoje assisto pela quinquaségima nona vez, o filme da minha vida "O último tango em Paris", desconfio que vou chorar...
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