"São demais os perigos desta vida
Pra quem tem paixão principalmente
Quando uma lua chega de repente
E se deixa no céu, como esquecida
E se ao luar que atua desvairado
Vem se unir uma música qualquer
Aí então é preciso ter cuidado
Porque deve andar perto uma mulher..."

Vinicius de Moraes





Introspecção

Nuvens lentas passavam
Quando eu olhei o céu.
Eu senti na minha alma a dor do céu
Que nunca poderá ser sempre calmo.

Quando eu olhei a árvore perdida
Não vi ninhos nem pássaros.
Eu senti na minha alma a dor da árvore
Esgalhada e sozinha
Sem pássaros cantando nos seus ninhos.

Quando eu olhei minha alma
Vi a treva.
Eu senti no céu e na árvore perdida
A dor da treva que vive na minha alma.


Vinicius de Moraes

Rio de Janeiro, 1933
in O caminho para a distância
in Poesia completa e prosa: "O sentimento do sublime"




O lugar preferido da casa de Vinícius de Moraes era a banheira. Mas havia alguns pré-requisitos: as torneiras tinham de estar inclinadas em determinada direção para que o fio de água quente o acalmasse e o de água fria o mantivesse aceso. A tampa do ralo deveria ficar um pouco aberta para permitir a renovação da água. Uma tábua sobre as bordas da banheira servia de mesa, onde ele punha livros, pedaços de papel em que fazia anotações e a máquina de escrever para trabalhar horas a fio. Colocava também um espelho e o barbeador elétrico para fazer a barba. Se o cansaço batia, cochilava. Certo dia, num cochilo, os óculos escorregaram. Vinícius acordou de supetão e olhou os óculos enfiados num dos joelhos. "O que o Magalhães Pinto está fazendo aqui?", perguntou em voz alta, referindo-se ao calvo ex-governador de Minas Gerais. Tinha muita insônia e tentava curá-la no banho. Muitas vezes, no meio da noite, ia direto para a cama sem se enxugar. "Acordava com a cama ensopada. Outras noites, a casa ficava inundada", conta Gilda Matoso, a última das nove esposas.
Foi nesta mesma banheira que Vinicius morreu, no dia 9 de julho de 1980. Músico de muitos parceiros e homem de muitos casamentos, Vinicius de Moraes foi o Poeta Brasileiro, movido por muito amor à vida.

Conta-se que foi um enterro estranho. Não havia o menor sinal de desespero e, ao contrário da expectativa do poeta, revelada no poema A Hora Íntima, ninguém propôs solenemente a construção do seu pedestal. Quase sorrindo, as pessoas cantaram canções de despedida: "Se todos fossem iguais a você! Que maravilha viver". O rosto emergindo entre as flores, Vinicius, filho de Oxalá, era um morto sem metafísica, escreveria Geraldo Carneiro.
Morto? Não, o poetinha não morreu, foi apenas fazer poesia em outro lugar...


Uma música que seja

... como os mais belos harmônicos da natureza. Uma música que seja como o som do vento na cordoalha dos navios, aumentando gradativamente de tom até atingir aquele em que se cria uma reta ascendente para o infinito. Uma música que comece sem começo e termine sem fim. Uma música que seja como o som do vento numa enorme harpa plantada no deserto. Uma música que seja como a nota lancinante deixada no ar por um pássaro que morre. Uma música que seja como o som dos altos ramos das grandes árvores vergastadas pelos temporais. Uma música que seja como o ponto de reunião de muitas vozes em busca de uma harmonia nova. Uma música que seja como o vôo de uma gaivota numa aurora de novos sons...


in Para viver um grande amor (crônicas e poemas)
in Poesia completa e prosa: "A lua de Montevidéu"




Leia: http://www.blogger.com/www.viniciusdemoraes.com.br
http://www.palavrarte.com/Poeta_Lembrei/poelembrei_vinicius.htm
http://www.terra.com.br/istoe/biblioteca/brasileiro/musica/mus3.htm
http://www.releituras.com/viniciusm_menu.asp

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