Zezé, a feia em sua beleza
“Ela
acreditava que era bonita sim.” Ao falar da mulher com quem estreou no cinema
no filme O Homem do Sputnik, de 1959, o humorista e apresentador Jô
Soares não resiste a contar essa história. Nas cenas de um dos grandes sucessos
da Atlântida e que contava com Oscarito no elenco, um jovem gordinho contracena
com uma mulher miúda, que não era tão horrorosa assim, mas que também estava
longe de ser uma diva. Era Zezé Macedo, a primeira-dama das chanchadas de uma
época de ouro do cinema nacional, humorista de mão cheia e que ficou conhecida
como a mulher mais feia do Brasil pelos personagens que viveu na TV.
Feia ela
nunca se achou. Se a aparência não a ajudava nisso, sua autoestima sempre
esteve em dia. Fez inúmeras plásticas para driblar a idade, mas não se
importava em viver a Biscoito, mulher do personagem Tavares, criação de Chico
Anysio, seu padrinho por décadas na Rede Globo; ou Dona Bela, a puritana e
escandalosa aluna da Escolinha do Professor Raimundo. Um dos muitos
paradoxos de uma vida cheia de percalços. A mulher que tantas alegrias deu ao
público vivenciou momentos de tragédia. Ela não se achava tão feia assim, mas
incorporava a feiura para fazer rir. E fazia rir tendo tantos motivos para
chorar.
Parte
dessa trajetória insuspeita vem sendo contada há mais de um ano nos palcos pela
atriz Betty Gofman no espetáculo A Vingança do Espelho: A História de
Zezé Macedo. Essa performance rendeu a Betty o direito de reviver a
personagem Dona Bela na nova versão da Escolinha do Professor Raimundo.
Exageros à parte na interpretação da atriz, o texto é revelador de fatos para
lá de surpreendentes. Zezé, até se tornar artista, comeu o pão que o diabo
amassou, viveu perdas terríveis e foi auxiliada pelo acaso para chegar aonde
chegou.
Nascida no
interior do estado do Rio de Janeiro em 6 de maio de 1916, sua vida era pacata
até ser vítima de um acontecimento trágico. Casada pela primeira vez quando
completou 15 anos de idade com um eletricista, a jovem Maria José Macedo morava
em Niterói e tinha um relacionamento convencional. Logo teve um filho chamado
Hércules. Em uma reunião familiar, a sogra de Zezé segurava a criança quando se
descuidou e deixou o bebê cair no chão. Na queda, o menino teve um traumatismo
craniano e morreu na hora, na frente da mãe.
Ela conseguiu soltar um grito e ficou muda por dias. Quando voltou a
falar, sua voz havia mudado de timbre, ficando esganiçada e mais aguda, o que
serviria de elemento para ela caracterizar suas personagens. O casamento acabou
e ela atravessou a Baía de Guanabara, mudando-se para o Rio de Janeiro. Ia
atrás de um sonho antigo, ser atriz, trabalhar nas rádios e teatros da então
capital federal. Entrou, isso sim, no serviço público. Zezé, porém, acabou indo
trabalhar como secretária de dois nomes de grande inserção no meio artístico,
Rodolfo Mayer e Dias Gomes. Ali se interessou pela profissão, primeiro no
rádio, depois no cinema.
Sua
estreia na sétima arte ocorreu no filme Aviso aos Navegantes, de
1950, dirigido por Watson Macedo (que não era seu parente) e estrelado pela
dupla Grande Otelo e Oscarito. Com eles faria muitos outros trabalhos, na maior
parte das vezes em papeis coadjuvantes, mas chamando a atenção por seu visual
exótico. A baixa estatura, as sobrancelhas arqueadas e os traços finos – que
ficaram ainda mais realçados pelas intervenções cirúrgicas – não deixavam Zezé
Macedo passar despercebida.
Muito se
especula sobre a receita de sucesso da atriz. Ela morreu aos 83 anos em 1999,
em consequência de um derrame cerebral, isso depois de quase 50 anos de uma
carreira em que transitou por muitos campos de atuação. Se não chegou a ser uma
estrela ou uma beldade, jamais esteve fora do ar, nunca lhe faltou trabalho,
esteve sempre entre os grandes. Chegou a integrar o elenco dos enormes sucessos
do cinema produzidos e protagonizados pelos Trapalhões, nos anos 1970 e 1980.
Seus bordões e trejeitos entraram para o imaginário popular.
Zezé
Macedo casou-se de novo, teve uma vida confortável, mas nunca mais quis ser
mãe. Hércules, o menino que viu morrer em um acidente estúpido, permaneceu
sendo seu filho único. Ela não gostava de recordar aquele trauma e
possivelmente foi uma escolha sua abdicar da maternidade. Preferiu cuidar de um
punhado de gatos. Quando começou a ser atriz, já com quase 40 anos de idade,
ela pretendia fazer personagens dramáticas, trágicas. O trágico se
circunscreveu à sua vida pessoal. Maria José tornou-se Zezé Macedo via comédia.
Dezessete
anos atrás, ela deixou de desabar diante de perguntas de duplo sentido do
professor Raimundo. As reprises do programa na TV fechada e as homenagens que
recebe constantemente não deixam sua imagem desaparecer da memória do público.
A Biscoito, a Dona Bela permanece lindamente feia, tragicamente cômica em nossa
lembrança.
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