O último tango em Paris - RIP Bertolucci

Reeditando uma postagem de 2004 para homenagear Bertolucci que hoje nos deixou.
Fica a lembrança de um filme impactante, avassalador com Brando longe de sua melhor forma física, mas com um carisma que tomava a tela por completo.
Inesquecível!
RIP: 1941 - 2018




"O tango, essa diabrura,
os atarefados anos desafia,
feito de pó e tempo o homem dura
menos que a leve melodia
que só é tempo..."

Borges




Anos 70, uma sensação de liberdade no ar, pílula, soutiens queimados e um filme. Na verdade uma ousadia de Bernardo Bertolucci. "O último tango em Paris", ousadia que os tacanhos moralistas chamaram de pornográfico, obsceno e que ainda hoje causa espanto.
Não o espanto pela famosa cena da manteiga, afinal sexo anal é feito a rodo pelas mocinhas burguesas com opções que vão de lubrificantes a própria manteiga, sem maiores problemas. É no seu clima intimista, atmosfera sufocante de um apartamento vazio onde um casal improvável se encontra e, sem dizerem os nomes, conversam, transam, brigam e procuram um sentido para suas vidas. Ele, Marlon Brando, está em crise porque a mulher acaba de cometer suicídio, sem deixar qualquer explicação. Ela, Maria Schneider, está em crise porque não sabe se o futuro que deseja para si é um casamento com um jovem cineasta. Para ele, o mundo acabou; para ela, está começando. Para ele, as coisas perderam o sentido; para ela, os sentidos ainda são muito complicados. Entre estes dois seres tão diferentes, há apenas uma ponte: o sexo.





"Vou falar-lhe de segredos de família, essa sagrada instituição que pretende incutir virtude em selvagens. Repita o que vou dizer: sagrada família, teto de bons cidadãos. Diga! As crianças são torturadas até mentirem. A vontade é esmagada pela repressão. A liberdade é assassinada pelo egoísmo. Família, porra de família!"


Com essa fala e um tablete de manteiga, Bertolucci, abre as portas de todos os quartos, desvenda segredos, joga na cara falsos pudores. Levanta questões e ultrapassa limites.
No filme todas as cenas são necessárias, nada esta fora do lugar, é perfeito e a atuação de um Brando atormentado é digna da posteridade que obteve. O que faz a diferença é o espectador, olhos que enxergam além das cenas, as nuances, entrelinhas, tudo que não é dito, tudo que a nudez parcial escancara, diz e mostra. Aos olhos desse espectador, "O último tango em Paris" é só o começo.

 Arrisquem-se...


**

Bertolucci: Meu amor pela lenda Brando

Bernardo Bertolucci 
Diretor, Último Tango em Paris
Com lágrimas nos olhos, ocorre-me que no próprio ato de morrer, Marlon se tornou imortal.
Último Tango em Paris
Brando estrelou com Maria Schneider no último tango de 1972 em Paris
Mas talvez ele já fosse imortal naquela época em Paris, na Pont de Passy - isso é certamente o que toda a tripulação do Last Tango em Paris pensava, hipnotizado como estavam por sua própria presença.
Nenhum de nós jamais havia encontrado uma lenda tão viva e, para os amantes do cinema, talvez ele fosse a única lenda verdadeira que já vivera.
Lembro-me da primeira cena do filme: gritei "Tudo bem", mas Umetelli, o operador da câmera, corando de vergonha, sussurrou para mim: "Desculpe - assim que vi Brando pelo visor, fiquei paralisado apenas observando-o. " Nós tivemos que disparar o tiro novamente.
No Actors 'Studio ele aprendeu melhor do que ninguém como se transformar em outra pessoa, se tornar um revolucionário mexicano, ou um Hell's Angel, ou um docker de Nova York, ou um rio ou uma árvore.
Marlon Brando com Bernardo Bertolucci
 Ele me fez sofrer terrivelmente, me dando sérias dúvidas sobre mim e meu trabalho 
Bernardo Bertolucci (à direita) em Marlon Brando
No cinema, um ator é frequentemente obrigado a entrar na pele de outra pessoa. Mas pedi a ele que fizesse o contrário, para trazer à sua performance toda a experiência de sua vida, tanto como homem quanto como ator.
Depois que terminamos de filmar, ele me disse: "Eu nunca farei um filme como esse novamente. Eu não gosto muito de atuar de qualquer maneira, mas isso foi muito pior.
"Desde o começo até o fim eu senti que tinha sido violada - detalhes íntimos sobre mim, sobre a minha vida, até sobre meus filhos foram arrastados para fora de mim e expostos ao mundo."
Depois disso, ele não falou comigo por 12 anos, e ele me fez sofrer terrivelmente, me dando sérias dúvidas sobre mim e meu trabalho.
Então um dia liguei para ele e ele me manteve no telefone por duas horas. Nós começamos a falar de novo como costumávamos, e havia muito o que conversar - Marlon estava diabolicamente curioso sobre tudo.
A última vez que o vi foi há vários anos em sua casa em Mulholland Drive, às duas horas da tarde. Conversamos e conversamos, e logo eram oito da noite e a noite caíra.
Na escuridão, perguntei se ele já percebera o quanto eu estava apaixonada por ele. 

Fonte: aqui




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