Eu me chamo Legião...
Todas
as vezes que penso em Legião Urbana, me vem à cabeça um diálogo entre
Jesus e Satanás:
“Jesus o interrogou: Qual é o teu nome?”
“Respondeu ele: Eu meu chamo Legião, porque somos muitos.”
E
nós, parceiro? Nós? Nós somos Legião, porque somos, éramos e para sempre
seremos muitos!
Na efervescência dos anos 80, uma voz perguntou: Que País é esse? Essa mesma voz se dirigia à geração coca-cola e sabia que de alienados não tínhamos nada. Só precisávamos de alguém que desse voz a essa geração, e ele deu. Renato Russo marcou os inesquecíveis anos 80 com a sua poesia, com letras consistentes e atitude. Falou das injustiças sociais com a mesma força que falou de amor. Contou histórias, filosofou sentimentos, teve coragem de dizer que gostava de meninos e meninas e isso em nada arranhava o que a legião, a legião que ele deixou espalhada por aí sentia por ele.
"Quem me dera, ao menos uma vez, explicar o que ninguém consegue entender: Que o que aconteceu ainda está por vir, e o futuro não é mais como era antigamente''.
O futuro e talvez nem ele pudesse imaginar ficou nas mãos de eguinhas pocotós, de sucessos instantâneos e letras rasas. Um retrocesso absurdo depois da existência de uma Legião Urbana, de um poeta como Renato Russo.
Suas músicas oscilavam entre o romantismo rasgado e a virulência da crítica social e nem por isso soavam estranhas aos nossos ouvidos.
"Eu quis o perigo e até sangrei sozinho. Entenda - assim pude trazer você de volta para mim. Quando descobri que é sempre só você que me entende do início ao fim. E é só você que tem a cura para o meu vício, de insistir nessa saudade que eu sinto, de tudo que eu ainda não vi. Nos deram espelhos e vimos um mundo doente - tentei chorar e não consegui''.
Um ano antes da sua morte, Renato disse numa entrevista: "A dor é inevitável, mas o sofrimento é opcional''.
Renato sofria por ele, por todos, por um mundo doente tão doente quanto sempre foi. Um mundo em guerra declarada contra os direitos humanos. Que diria o poema que nunca virá dessa guerra estúpida arquitetada pelo Presidente do mundo? Que fina ironia, cáustico humor, ele usaria para deixar o registro do seu protesto. Não duvidem, não passaria em branco. Renato tomava uma posição sempre, para o bem ou para o mal ele sangrava palavras poemas e nunca saia isento de nada.
"Vamos celebrar a estupidez humana, a estupidez de todas as nações. O meu país e sua corja de assassinos, covardes, estupradores e ladrões. Vamos celebrar a estupidez do povo, nossa polícia e televisão. Vamos celebrar nosso governo, e nosso estado, que não é nação. Celebrar a juventude sem escola, as crianças mortas, celebrar nossa desunião. Vamos celebrar Eros e Thanatos, Persephone e Hades. Vamos celebrar nossa tristeza, vamos celebrar nossa vaidade''.
Depressivo crônico, trazia dentro de si, o estofo necessário para fazer poesia, uma inquietação, uma sensibilidade, uma angústia latente que o movia para a fuga. Tentou de "heroína a Jesus Cristo", como disse em entrevista, mas as respostas nunca vieram. E sendo assim que fosse ele, já não tinha mais todo tempo do mundo.
As novas gerações cantam suas músicas, tomam para si suas letras, entendem que há vida inteligente por trás de letras melódicas, procuram causas pelas quais lutar e como se fosse outro dia ou fim de noite no Cervantes, falam, sabem dele e vivem suas histórias nas sonoras trilhas que ele deixou pelo caminho.
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Mudaram as estações e nada mudou
Mas eu sei que alguma coisa aconteceu
Esta tudo assim tão diferente
Se lembra quando a gente chegou um dia a acreditar
Que tudo era pra sempre
Sem saber
Que o pra sempre
Sempre acaba?
Mas nada vai conseguir mudar o que ficou
Quando penso em alguém
Só penso em você
E aí então estamos bem
Mesmo com tantos motivos pra deixar tudo como esta
E nem desistir, nem tentar
Agora tanto faz
Estamos indo de volta
Pra casa.
No dia que você se foi, tudo mudou, alguma coisa aconteceu e tudo ficou muito diferente. A poesia empobreceu, a voz de protesto se calou, veio mais uma guerra e a nossa guerra urbana de todo dia não tem porta voz. As estações mudarão sempre e nós mudamos como nunca quando você nasceu: 27/03/1960. Temos todos os motivos para deixar como está, para seguir mesmo sem querer. Agora tanto faz e ainda assim ouvir você vai ser sempre como voltar para casa. Para uma casa de onde nunca deveríamos ter saído.
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Carta a Renato - Você na minha história.
Agora está tão longe
Vê, a linha do horizonte me distrai:
Dos nossos planos é que eu tenho mais saudade,
Quando olhávamos juntos na mesma direção.
Aonde está você agora
Além de aqui dentro de mim.
Hoje é seu aniversário. Não temos mais o tempo que passou, e quer saber?
"Não estou mais interessado no que sinto, não acredito em nada além do que duvido. Você espera respostas que eu não tenho''. Renato Russo.
Um dia a gente se vê.
andrea augusto©angelblue83
Vida
Renato Manfredini Junior nasceu no dia 27 de março de 1960, às 4 horas, no Humaitá, Zona Sul do Rio de Janeiro. Teve uma infância comum. Soltava pipa, brincava de pique, andava de carrinho de rolimã onde morava, na Ilha do Governador, bairro da Leopoldina. Certa vez, perguntado por uma repórter do Jornal do Brasil se era uma criança introspectiva, respondeu em tom maroto: "eu aproveitava os dias de chuva".
Filho de pai economista do Banco do Brasil e de mãe professora de inglês, Renato teve uma infância tranquila, em uma família de classe média alta, onde pôde adquirir uma boa amplitude cultural. Principalmente, depois da estada fora do Brasil. Aos sete anos de idade, 'Juninho', como era chamado na época, mudou-se para Nova Iorque, porque o Renato pai iria fazer um curso, logo sendo matriculado em uma escola local. Juninho e Carmem Teresa, sua irmã caçula, puderam então ampliar seus conhecimentos na língua de Shakespeare.
Depois de retornar para o Rio, a família foi morar em Brasília. Ali começaria a fase mais traumática até então. Em 1975, com 15 anos, Renato ficou impossibilitado de andar. Sofria de epifisiólise, uma doença rara que ataca os ossos. Passou por diversos tratamentos e operações. Voltaria a caminhar já aos 17 anos.
Nome artístico - Apesar da complicação natural da situação, Renato acabou aproveitando o tempo para ler. Ele chegou a criar uma banda fictícia, na qual o cantor/alter ego se chamava Eric Russel. O sobrenome artístico era uma homenagem coletiva ao filósofo Jean-Jacques Rousseau, ao pintor naîf Henri Rousseau e ao filósofo Bertrand Russell. Esta mistura filosófica e artística daria origem também ao 'Russo' do Renato.
Antes de realizar o sonho, porém, o futuro músico ainda seria professor de inglês, programador de rádio e jornalista.
Um longo caminho, desvios e a fama chegou. Juninho era Renato Russo, músico e poeta e nós... Nós éramos a verdadeira Legião que só o Legião Urbana poderia deixar.
Leia: http://www.matices.de/21/21krusso.htm
http://www.renatorusso.com.br/
http://jbonline.terra.com.br/inter/musicali/especiais/renatorusso/index.html
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