Para sempre Gullar.
Quarto dos 11 filhos do casal Newton Ferreira e Alzira Ribeiro Goulart,
ele nasceu José Ribamar Ferreira no dia 10 de setembro de 1930 em São Luiz, no
Maranhão. No início da década de 1950, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde, em
1956, participou da exposição concretista que é considerada o marco oficial do
início da poesia concreta. Três anos depois criou, com Lígia Clark e Hélio
Oiticica, o neoconcretismo, que valoriza a expressão e a subjetividade em
oposição ao concretismo ortodoxo.
Militante do Partido Comunista, exilou-se na década de 1970, durante a
ditadura militar, e viveu na União Soviética, na Argentina e Chile. Retornou ao
país em 1977 e foi preso por agentes do Departamento de Polícia Política e
Social no dia seguinte ao desembarque, no Rio. Foi libertado depois de 72 horas
de interrogatório graças à intervenção de amigos junto a autoridades do regime.
Depois disso, retornou aos poucos às atividades de critico, escritor e
jornalista.
Eleito em 2014 para a Academia Brasileira de Letras, colecionava uma
vasta lista de prêmios. Em 2002, foi indicado por nove professores dos Estados
Unidos, do Brasil e de Portugal para o Prêmio Nobel de Literatura. Em 2007, seu
livro "Resmungos" ganhou o Prêmio Jabuti de melhor livro de ficção do
ano. A obra, editada pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, reúne
crônicas de Gullar publicadas no jornal Folha de S. Paulo ao longo de 2005.
Em 2010, foi agraciado com o Prêmio Camões, o mais importante prêmio
literário da Comunidade de Países de Língua Portuguesa. No mesmo ano, foi
contemplado com o título de Doutor Honoris Causa na Faculdade de Letras da
UFRJ. Um ano depois ganhou o Prêmio Jabuti com o livro de poesia "Em
alguma parte alguma".
FERREIRA GULLAR
'Não há vagas'
O preço do feijão
não cabe no poema. O preço
do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão
O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.
Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras
– porque o poema, senhores,
está fechado:
“não há vagas”
Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço
O poema, senhores,
não fede
nem cheira.
do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão
O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.
Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras
– porque o poema, senhores,
está fechado:
“não há vagas”
Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço
O poema, senhores,
não fede
nem cheira.
'Os mortos'
os mortos vêem o mundo
pelos olhos dos vivos
pelos olhos dos vivos
eventualmente ouvem,
com nossos ouvidos,
certas sinfonias
algum bater de portas,
ventanias
com nossos ouvidos,
certas sinfonias
algum bater de portas,
ventanias
Ausentes
de corpo e alma
misturam o seu ao nosso riso
se de fato
quando vivos
acharam a mesma graça
de corpo e alma
misturam o seu ao nosso riso
se de fato
quando vivos
acharam a mesma graça
'Minha medida'
Meu espaço é o dia
de braços abertos
tocando a fímbria de uma e outra noite
o dia
que gira
colado ao planeta
e que sustenta numa das mãos a aurora
e na outra
um crepúsculo de Buenos Aires
de braços abertos
tocando a fímbria de uma e outra noite
o dia
que gira
colado ao planeta
e que sustenta numa das mãos a aurora
e na outra
um crepúsculo de Buenos Aires
Meu espaço, cara,
é o dia terrestre
quer o conduzam os pássaros do mar
ou os comboios da Estrada de Ferro Central do Brasil
o dia
medido mais pelo pulso
do que
pelo meu relógio de pulso
é o dia terrestre
quer o conduzam os pássaros do mar
ou os comboios da Estrada de Ferro Central do Brasil
o dia
medido mais pelo pulso
do que
pelo meu relógio de pulso
Meu espaço — desmedido —
é o nosso pessoal aí, é nossa
gente,
de braços abertos tocando a fímbria
de uma e outra fome,
o povo, cara,
que numa das mãos sustenta a festa
e na outra
uma bomba de tempo.
é o nosso pessoal aí, é nossa
gente,
de braços abertos tocando a fímbria
de uma e outra fome,
o povo, cara,
que numa das mãos sustenta a festa
e na outra
uma bomba de tempo.
FERREIRA GULLAR
10 de setembro de 1930
4 de dezembro de 2016
Comentários