Flávio Gikovate - 1943 - 2016
O amor como meio, não como fim
- É hora de substituir o ideal romântico do
amor, que basta em si mesmo (por isso não dura), por uma relação que traga
crescimento individual.
Há algo de errado na forma como temos vivido
nossas relações amorosas. Isso é fácil de ser constatado, pois temos sofrido
muito por amor. Se o que anda bem tem que nos fazer felizes, o sofrimento só
pode significar que estamos numa rota equivocada.
Desde crianças, aprendemos que o amor não deve
ser objeto de reflexão e de entendimento racional; que deve ser apenas
vivenciado, como uma mágica fascinante que nos faz sentir completos e
aconchegados quando estamos ao lado daquela pessoa que se tornou única e
especial.
Aprendemos que a mágica do amor não pode ser
perturbada pela razão, que devemos evitar esse tipo de “contaminação” para
podermos usufruir integralmente as delícias dessa emoção – só que não tem dado
certo.
Vamos tentar, então, o caminho inverso: vamos
pensar sobre o tema com sinceridade e coragem. Conclusões novas, quem sabe, nos
tragam melhores resultados.
Vamos nos deter em apenas uma das ideias que
governam nossa visão do amor.
Imaginamos sempre que um bom vínculo afetivo
significa o fim de todos os nossos problemas. Nosso ideal romântico é assim:
duas pessoas se encontram, se encantam uma com a outra, compõem um forte elo,
de grande dependência, sentem-se preenchidas e completas e sonham em largar
tudo o que fazem para se refugiar em algum oásis e viver inteiramente uma para
a outra usufruindo o aconchego de ter achado sua “metade da laranja”. Nada
parece lhes faltar.
Tudo o que antes valorizavam – dinheiro,
aparência física, trabalho, posição social etc. – parece não ter mais a menor
importância. Tudo o que não diz respeito ao amor se transforma em banalidade,
algo supérfluo que agora pode ser descartado sem o menor problema.
Sabemos que quem quis levar essas fantasias
para a vida prática se deu mal. Com o passar do tempo, percebe-se que uma vida
reclusa, sem novos estímulos, somente voltada para a relação amorosa, muito
depressa se torna tediosa e desinteressante.
Podemos sonhar com o paraíso perdido ou com a
volta ao útero, mas não podemos fugir ao fato de que estamos habituados a viver
com certos riscos, certos desafios. Sabemos que eles nos deixam em alerta e
intrigados; que nos fazem muito bem.
De certa forma, a realização do ideal romântico
corresponde à negação da vida. Visto por esse ângulo, o amor é a antivida, pois
em nome dele abandonamos tudo aquilo que até então era a nossa vida.
No primeiro momento até podemos achar que
estamos fazendo uma boa troca, mas rapidamente nos aborrecemos com o vazio
deixado por essa renúncia à vida. A partir daí, começa a irritação com o ser
amado, agora entendido como o causador do tédio, como uma pessoa pouco criativa
e desinteressante.
O resultado todos conhecemos: o casal rompe e
cada um volta à sua vida anterior, levando consigo a impressão de ter falido em
seus ideais de vida.
Os doentes acham que a saúde é tudo. Os pobres
imaginam que o dinheiro lhes traria toda a felicidade sonhada. Os carentes –
isto é, todos nós – acham que o amor é a mágica que dá significado à vida. O
que nos falta aparece sempre idealizado, como o elixir da longa vida e da
eterna felicidade.
Diariamente, porém, a realidade nos mostra que
as coisas não são assim, e acho importante aprendermos com ela. Nossas
concepções têm de se basear em fatos, nossos projetos têm que estar de acordo
com aquilo que costuma dar certo no mundo real.
Fantasias e sonhos, ao contrário, têm origem em
processos psíquicos ligados à lembranças e frustrações do passado.
É importante percebermos que o que poderia ser
uma ótima solução aos seis meses de idade, como voltar ao útero materno, será
ineficaz e intolerável aos 30 anos. A bicicleta que eu não tive aos 7 anos, por
exemplo, não irá resolver nenhum dos meus problemas atuais.
É preciso parar de sonhar com soluções que já
não nos satisfazem e adaptar nossos sonhos à realidade da condição de vida
adulta.
Se é verdade, então, que o amor nos enche de
alegria, vitalidade e coragem – e isso ninguém contesta -, por que não
direcionar essa nova energia para ativar ainda mais os projetos nos quais
estamos empenhados?
Quando amamos e nos sentimos amados por alguém
que admiramos e valorizamos, nossa auto-estima cresce, nos sentimos dignos e
fortes. Tornamo-nos ousados e capazes de tentar coisas novas, tanto em relação
ao mundo exterior como na compreensão da nossa subjetividade.
Em vez de ser um fim em si mesmo, o amor
deveria funcionar como um meio para o aprimoramento individual, nos curando das
frustrações do passado e nos impulsionando para o futuro. Casais que conseguem
vivê-lo dessa maneira crescem e evoluem e, sob essa condição, seu amor se
renova e se revitaliza.
Flávio Gikovate
11/01/1943 - 13/10/2016
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