Fidelidade e seus dilemas...
Poucas vezes li uma posição tão lúcida sobre fidelidade.
É difícil pensar dessa maneira quando se esta apaixonado, mas é fato que todos os dias pessoas passam pela nossa vida, ou mesmo se tornam por força do momento, constantes, seja na aula, no trabalho ou no lazer e a proximidade pode sim, gerar uma atração ainda que momentânea por aquela pessoa. O que fazer com isso, com a atração, o desejo e mais claramente o tesão, é prerrogativa de cada um. O que ela fala sobre o impulso, o respeito é perfeito. O respeito entra quando o parceiro dá a chance da escolha. Amor é uma coisa, tesão é outra. Amor demanda tempo, muito tempo para além das qualidades ser capaz de amar os defeitos, já o tesão é química, passa. Como ela mesma diz, o envolvimento momentâneo não tira pedaço. Que mulher especial essa moça!
Fascinante a Lélia que por acaso é mulher de Sebastião Salgado.
MARIE CLAIRE Você e o Sebastião
estão juntos há 50 anos, mas passaram muito tempo longe um do
outro. Como lidou com esses períodos de distância no casamento?
LÉLIA WANICK SALGADO A
distância ajuda tanto a provocar quanto a atenuar conflitos. Crise
pode ser quase um enjoo do outro. E às vezes dá vontade de viver
sem assumir a rotina de casada. Ajuda a espairecer. Você não
precisa encontrar quem não gosta, pode ficar quieta, ver o filme que
quer. São exemplos simples, mas fazem o dia a dia. Quando Tião
chegava das viagens, havia mudado um pouco. E eu também estava
outra, porque tinha um marido, filhos, mas estava sempre sozinha.
Precisei ser forte, não tinha com quem contar.
MC Cansou de viver sozinha?
LWS Tinha horas que
pensava: ‘Será que essa coisa da fotografia é mais importante do
que eu?’ Mas a verdade é que respeito muito a escolha dos outros.
Prefiro mil vezes me adaptar a frustrar alguém. Jamais pedi ao
Sebastião que parasse de viajar ou que voltasse antes, por exemplo.
LWS A saudade física é o que eu
acho mais difícil. Você quer estar perto, sentar para ver televisão
agarradinho, namorar.
MC É mais difícil do que levar uma
casa sozinha nas costas?
LWS É, porque com o resto
você se vira. Quando os meninos eram pequenos, eu tinha uma
babysitter que ia buscá-los na escola, e uma faxineira, duas ou três
vezes por semana. Quando eu chegava do trabalho, umas 19h30, abria a
porta e o Rodrigo pulava no meu colo. Aí eu ia fazer o jantar,
assistia ao jornal, fazia o dever de casa com o Juliano, tomava meu
uísque e fumava um cigarro. Depois, ainda contava história e
cantava com eles na cama. Como é que eu fazia tudo isso? Não sei!
Só sei que eu fazia. E tudo saía direito. Mas, em relação à
saudade do marido... Não é o caso de arranjar outro homem, porque
não é a mesma coisa. O carinho que tenho por aquela pessoa é
diferente, a outra não vai suprir. Não é saudade só de um corpo.
Poderia até acontecer de ter um caso, numa hora em que estava
precisando. Acontece. Mas não tem nada a ver com gostar de alguém.
MC Já procurou saber se o Salgado
teve outros relacionamentos, extraconjugais?
LWS Aconteceu de eu saber,
e devem ter muitos outros que nunca soube. E nem quero, não me
interessa. Não é a minha vida, é a vida dele. Só não aceito
falta de respeito como, por exemplo, trazer a pessoa para dentro de
casa. Agora, o impulso, numa hora em que a oportunidade aparece, é
outra coisa.
MC Você considera que esse
envolvimento de momento é uma coisa natural?
LWS É. E não tira pedaço.
Agora, tem o risco de se apaixonar e estragar tudo. Aí entra o
respeito. Se alguém está com uma pessoa que ama, tem que abrir o
jogo. Penso: ‘Pelo menos me dê a oportunidade de escolher o que
quero, se é te mandar embora ou se é viver a três’. Se eu
escolher que pode ser assim, tudo bem. Se não, vai ter que arcar com
a responsabilidade.
MC Isso é suficientemente
conversado entre vocês?
LWS A gente sempre
conversou e conversa sobre isso. Mas não questiono, porque não
quero que ele questione a minha vida.
MC E você, já se apaixonou por
outra pessoa?
LWS Nunca fiquei apaixonada
por outro. Já ficaram apaixonados por mim, mas sou muito pé no
chão. Para desestruturar tudo por conta de uma paixão, precisaria
saber se realmente vale a pena. Outro pode até te amar melhor,
como a música [Olhos nos olhos] do
Chico Buarque, que diz ‘bem mais e melhor que você’. Mas acho
que a mulher não age guiada somente pelo instinto.
MC Acha que esse tipo de abertura
desgasta o casamento? Ou fortalece?
LWS Pode fortalecer como
pode desgastar, depende de como acontece. Quando a gente é jovem, é
impulsivo. Existem tribos indígenas em que as mulheres têm cinco
maridos e os homens, cinco mulheres. E essa maneira de viver é muito
mais sã, porque leva em consideração os impulsos. Na nossa
sociedade, judia, cristã, todo mundo fica com uma pessoa a vida
inteira, enquanto quer ficar com dez.
MC Quando viu o Salgado, sabia que
iam ficar juntos? Comofoi o início do romance?
LWS Fizemos
planos rapidamente. Moramos em São Paulo e viemos para Paris em
1969. Sempre foi um sonho. Meu pai adorava a França. Eu e o Tião
nos conhecemos na Aliança Francesa em 1964. Viemos estudar, mas não
tínhamos bolsa de estudo, o começo foi difícil. Eu tinha 21 anos,
meus pais tinham acabado de morrer. Foi um golpe muito duro. Larguei
meu país, sem pai nem mãe, e vim para um lugar que não conhecia.
Mas a gente queria viajar... E é assim até hoje. No ano passado,
saí de férias com Tião num roteiro que incluía Bali. Depois
embarquei para Genebra, na Suíça, para visitar meu neto Flávio, 17
anos, filho de Juliano. E a seguir fui à Fazenda Bulcão, em Aimorés
(MG), onde Sebastião foi criado. Há 15 anos, fundamos o Instituto
Terra – que presido – para recuperar a Mata Atlântica da antiga
fazenda. O foco agora é reaver as nascentes do rio Doce, o maior rio
do sudeste do país. Trabalho para 30 anos! Tem muitos casais que se
amam muito, mas cada um tem um projeto de vida. E na primeira vez que
uma pedra rola no projeto de um, a relação pode sofrer. E evidente
que a gente se deu bem na vida sexual, que é importantíssima.
*Na íntegra aqui.
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