Boa noite, tristeza
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₢Pablo Herredias
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Manhãs
“Sonhei hoje amores tristes e doces; outonais. Beijos distraídos, não contrariados. Televisões no poder sem contestação, cozinhas arrumadas a meias e em silêncio, policiais à espera na mesa-de-cabeceira. Orgasmos fáceis de corpos sem segredos; camaradas. Manhãs rápidas, lençóis limpos, atrasos risonhos já esquecidos. O espelho não mente – estou desperto. Adormeceram os dias da paixão.”
Júlio Machado Vaz - Domingos, Sábados e Outros Dias.
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Desencontros marcados
(ou "O que pode fazer a ausência dos verbos")
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"...Os segmentos do tempo se unem uns aos outros num encaixe quase perfeito, mas não totalmente perfeito. Ocasionalmente, desencontros muito leves acontecem. Por exemplo, nesta terça-feira, em Berna, um rapaz e uma moça, os dois beirando os trinta anos de idade, estão parados sob uma lâmpada de iluminação pública na Gerberngasse. Eles se conheceram há um mês. Ele a ama desesperadamente, mas já sofreu muito por uma mulher que o abandonou sem qualquer aviso, e tem medo do amor. Com esta mulher, ele precisa de todas as garantias. Examina o rosto dela, silenciosamente implora-lhe que revele seus verdadeiros sentimentos, procura identificar o menor sinal, o mais acanhado movimento de suas sobrancelhas, o mais vago corar de suas bochechas, a umidade em seus olhos.
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Na verdade, ela também o ama, mas não consegue traduzir seu amor em palavras. Em vez disso, sorri para ele, sem saber do medo que ele sente. Enquanto estão ali, sob aquela lâmpada, o tempo pára e recomeça. Logo depois do intervalo, a inclinação de suas cabeças é exatamente a mesma, o ciclo das batidas de seus corações não apresenta qualquer alteração. Mas, em qualquer lugar das profundezas da mente da mulher, surgiu um pensamento frágil que não estava lá antes. A jovem mulher tenta capturar este novo pensamento em seu inconsciente e, quando o faz, um vazio inescrutável risca-lhe o sorriso. Esta breve hesitação só seria perceptível à mais rigorosa observação, mas ainda assim o ansioso rapaz a percebeu e a interpretou como o sinal que procurava. Ele diz à jovem mulher que não pode tornar a vê-la, volta para seu pequeno apartamento na Zeughausgasse e decide mudar-se para Zurique e trabalhar no banco de um tio. A jovem mulher se afasta do poste de iluminação pública na Gerberngasse, caminha lentamente de volta para casa se perguntando por que o rapaz não a amava."
Trecho extraído de um dos contos no livro "Sonhos de Einstein", de Alan Lightman.
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"Tu foste simplesmente à tua vida e eu fui à minha. Como sabes, eu vivo por relâmpagos; contigo partilhei uma trovoada um pouco mais longa do que o habitual. Foi apenas isso. De qualquer modo, a morte espreita sobre todos os prazeres dessa cronologia a que nos agarramos para escapar ao tempo. O que somos para além do que vamos sendo? O meu além eras tu - íman da minha íntima, impessoal temporalidade. Redenção dos males que me amputaram. Tu. Agora puro vapor do universo. Serves-me de Deus - quem diria? Serves-me no que não sei ser, e é a verdade. Olho para o mar do Guincho, para essas ondas frias e violentas em que tanto gostavas de mergulhar, e sinto-me também eu meio morto, meio frio. Feliz por estar ao teu lado outra vez. Ao lado dessa que já estava morta um bom par de anos antes de tu morreres. Fazes-me falta. Mas a vida não é mais do que essa sucessão de faltas que nos animam. A tua morte alivia-me do medo de morrer. Contigo fora de jogo, diminui o interesse da parada. E se tu morreste, também eu serei capaz de morrer, sem que as ondas nem o céu nem o silêncio se transtornem. Cair em ti, cada vez mais longe da mísera ficção de mim."
Trecho do livro Faz-me falta - Inês Pedrosa//
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A dor do enlouquecimento pulsional
Assim como se acredita, erradamente, que a sensação
dolorosa causada por um ferimento no braço se localiza
no braço, também se acredita, erroneamente, que a dor
psíquica se deva à perda da pessoa do ser amado.
Como se fosse a sua ausência que doesse.
Ora, não é a ausência do outro que dói, são os efeitos em
mim dessa ausência. Não sofro com o desaparecimento
do outro. Sofro porque a força do meu desejo fica privada
de uma de suas fontes, que era o corpo do amado; porque
o ritmo simbólico dessa força fica quebrado com o
desaparecimento do compasso que os estímulos provenientes
daquele corpo escandiam; e depois porque o espelho psíquico
que refletia as minhas imagens desmoronou, por falta do apoio
vivo em que sua presença se transformara.
A lesão que provoca a dor psíquica não é pois
o desaparecimento físico do ser amado, mas
o transtorno interno gerado pela desarticulação
da fantasia do ser amado.
In J.- D. Nasio. A Dor de Amar -Rio de Janeiro: Zahar, 2007 -(excerto do capítulo)
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“Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura."
Citação de Grande Sertões Veredas.
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Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas e nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.
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Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.
Carlos Drummond de Andrade, trecho de Notícias amorosas.
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Passamos a vida inteira à espera de uma pessoa que nos diga algo de fundamental, e quando percebemos vagamente que talvez ela já nos tenha procurado, não podemos deixar de concluir
com amargura que nós não a soubemos ouvir, e muito menos identificar. Esperávamos sem estar preparados para a espera. E por acaso, essa pessoa foi talvez a única a que humilhamos.
Samuel Rawet
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₢Edward Dimsdale
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*Não me recordo de um agosto tão triste, tão surpreendente e doloroso como esse. Quando se perde o time, quando se deixa ir e não se dá importância, não há modo ou jeito de se recuperar nada. Cristal quebrado não se cola, não há remendo para cristais e corações.
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Comentários
Adoraria ter escrito Desencontros Marcados. O subtítulo, inclusive, é uma daquelas coisas que eu arranjo de vez em quando.
Beijão pra ti!