A Sintaxe do Adeus
O frio que a morte traz
quem o sente não é o morto.
O morto apenas esfria.
É o frio do calafrio...
E são os vivos que sentem.
Também os vivos têm medo
de olhar nos olhos do morto.
Ah, o terrível segredo.
E alguém, com dedos de rosa
vem e automaticamente
pra que o morto não nos veja,
lhe fecha as pálpebras como
a duas pétalas e adeus.
A-deus quer dizer sem Deus.
Cassiano Ricardo
“Donde viemos? Aonde é que nos leva o nosso caminho? Por que me é dado sentir que sou livre, enquanto que estou confinado, porém, dentro dos limites da minha personalidade, como numa prisão? Qual é o objetivo da labuta e do sofrimento? Será o sentido da vida revelado pela morte?"
Gustav Mahler
Gustav Mahler
Das perdas e danos
“Conseqüentemente há toda sorte de ausências e mesmo os utensílios cotidianos não preenchem esse espaço. Não há, porém nada que o faça se essa ausência não se encontra em nada e ninguém. Está no reflexo que no espelho não aparece, está em todos os dias sem horas em qualquer estação. É a abstração última de que se é capaz, um estado abaixo onde tudo é estático como o sorriso na fotografia eternizando o que já não existe.”
andrea augusto©angelblue83
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Quando se está absolutamente só no mundo é muito fácil viver, mas é mais fácil ainda morrer. Não há amarras, não há medo ou autopreservação.
Estranho mundo estranho, a vida, às vezes quase sempre, parece um filme, um filme ruim. Belas tomadas, lindas paisagens, mas tudo tão vazio.
É como observar o mundo de dentro de uma redoma. O mundo está ali, mas quem se importa?
O dia do enterro da minha mãe, estava lindo, o céu absurdamente azul. De dentro do carro, onde a música tocava, eu olhava pela janela a continuidade da vida. Estava paralisada para mim, mas para o resto do mundo tudo continuava, a fome, o dia, o vento, os sorrisos nas esquinas e o sol pontuando o azul do céu.
De dentro do carro, eu sabia que nunca mais nada seria igual. Minha vida junto com a dela se encerrava ali no dia 22 de junho de 2005.
Dez dias antes, uma pequena morte já ocorrera e ela dizia ao me ver deitada olhando as estrelinhas fosforescentes no teto do meu quarto: “Não vai se entregar, né?” Eu disfarçava as lágrimas e dizia: “não”.
Mas precisava viver aquele luto, aquela pequena morte.
A morte do amor não é uma coisa que aconteça de forma rápida. O amor jamais morre de morte súbita, ele - o amor - quando recebe um golpe fatal, sabe que vai morrer, mas sangra, sangra muito antes e tenta manter-se vivo em nome dos bons momentos, da inocência das palavras soltas nos dias frios do sol de outono. Naquele tempo, eu acreditava que aquela dor era muito grande.
Eu chorava escondido e baixinho para que ela não visse ou ouvisse e ela, na sua tentativa de carinho, me dava agradinhos a toda hora. A última blusa que me deu ainda tem a etiqueta.
Eu não sabia que apenas alguns dias depois a perderia e que aquele que havia provocado a pequena morte de certa maneira agora me mantém viva.
Quando se perde a mãe e ela é a única que resta dos seus pais, é como tornar-se adulto de repente. Não importa se foi aos quinze, aos vinte ou aos trinta. É imediato. De repente e aos pouquinhos, vai-se percebendo que aquele açúcar queimado ótimo para gripe e que chegava estalando de quente quando eu estava prostrada na cama, não virá mais, que o celular não tocará quando o trânsito me prender além do tempo da chegada, que nunca mais ela impedirá que eu me entregue às pequenas mortes que ainda viverei.
Eu ainda não sei se o Literatus continuará.
andrea augusto©angelblue83
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Quando se está absolutamente só no mundo é muito fácil viver, mas é mais fácil ainda morrer. Não há amarras, não há medo ou autopreservação.
Estranho mundo estranho, a vida, às vezes quase sempre, parece um filme, um filme ruim. Belas tomadas, lindas paisagens, mas tudo tão vazio.
É como observar o mundo de dentro de uma redoma. O mundo está ali, mas quem se importa?
O dia do enterro da minha mãe, estava lindo, o céu absurdamente azul. De dentro do carro, onde a música tocava, eu olhava pela janela a continuidade da vida. Estava paralisada para mim, mas para o resto do mundo tudo continuava, a fome, o dia, o vento, os sorrisos nas esquinas e o sol pontuando o azul do céu.
De dentro do carro, eu sabia que nunca mais nada seria igual. Minha vida junto com a dela se encerrava ali no dia 22 de junho de 2005.
Dez dias antes, uma pequena morte já ocorrera e ela dizia ao me ver deitada olhando as estrelinhas fosforescentes no teto do meu quarto: “Não vai se entregar, né?” Eu disfarçava as lágrimas e dizia: “não”.
Mas precisava viver aquele luto, aquela pequena morte.
A morte do amor não é uma coisa que aconteça de forma rápida. O amor jamais morre de morte súbita, ele - o amor - quando recebe um golpe fatal, sabe que vai morrer, mas sangra, sangra muito antes e tenta manter-se vivo em nome dos bons momentos, da inocência das palavras soltas nos dias frios do sol de outono. Naquele tempo, eu acreditava que aquela dor era muito grande.
Eu chorava escondido e baixinho para que ela não visse ou ouvisse e ela, na sua tentativa de carinho, me dava agradinhos a toda hora. A última blusa que me deu ainda tem a etiqueta.
Eu não sabia que apenas alguns dias depois a perderia e que aquele que havia provocado a pequena morte de certa maneira agora me mantém viva.
Quando se perde a mãe e ela é a única que resta dos seus pais, é como tornar-se adulto de repente. Não importa se foi aos quinze, aos vinte ou aos trinta. É imediato. De repente e aos pouquinhos, vai-se percebendo que aquele açúcar queimado ótimo para gripe e que chegava estalando de quente quando eu estava prostrada na cama, não virá mais, que o celular não tocará quando o trânsito me prender além do tempo da chegada, que nunca mais ela impedirá que eu me entregue às pequenas mortes que ainda viverei.
Eu ainda não sei se o Literatus continuará.
andrea augusto©angelblue83
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