Com apenas 23 anos de idade, Antero de Quental ateava fogo no conformismo e na monotonia do ultra-romantismo em Portugal, indignava-se, conclamava à verdade e à justiça. Era brilhante.

Antero nasceu em Ponta Delgada, nos Açores, em 1842, e aí se suicidou em 1891, com dois tiros de pistola. Do nascimento à morte uma vida de retidão moral e de altitude intelectual que permitiu o surgimento de algumas das mais belas páginas da literatura em língua portuguesa. Isso explica a influência que exerceu no espírito dos moços de seu tempo. No in memoriam que os amigos lhe consagraram, manifestações de admiração ao poeta das Odes Modernas não faltaram – e das mais altas, das mais fundas. Guerra Junqueiro afirmou que nele havia em germe “um santo, um filósofo e um herói”.


Aspiração

Meus dias vão correndo vagarosos,
Sem prazer e sem dor parece
Que o foco interior já desfalece
E vacila com raios duvidosos.

É bela a vida e os anos são formosos,
E nunca ao peito amante o amor falece...
Mas, se a beleza aqui nos aparece,
Logo outra lembra de mais puros gozos.

Minha alma, ó Deus! a outros céus aspira:
Se um momento a prendeu mortal beleza,
É pela eterna pátria que suspira...

Porém, do pressentir dá-ma a certeza,
Dá-ma! e sereno, embora a dor me fira,
Eu sempre bendirei esta tristeza!

Antero de Quental



Após o suicídio de Antero, em 1891, Luís de Magalhães teve a idéia de pedir a vários amigos de Antero para sobre ele escreverem. Eça redigiu um belo ensaio, intitulado «Um Génio Que Era Um Santo». Começa por romanticamente lembrar o seu primeiro encontro com Antero. Vira-o, em Coimbra, ao longe, fazendo um discurso, nas escadarias da Sé Nova: «Então (...) destracei a capa, também me sentei num degrau, quase aos pés de Antero, que improvisava, a escutar, num enlevo, como um discípulo. E assim me conservei a vida inteira.» Não era verdade, mas era comovente. Antero, conta, era de uma beleza física rara. Desde cedo, contudo, instalara-se nele o desespero: «Já então o ditoso Antero, tão prodigamente dotado por Deus, se considera um filho abandonado de Deus.» Em volta de Antero reinava o otimismo - «Ninguém então, do Reno para cá, lera ainda Schopenhauer» -, mas Antero não partilhava dessa alegria.

Textos enxutos, plenos, poemas que são verdadeiros monumentos da literatura em qualquer tempo. Impecáveis, mas duros, a emoção cedia lugar ao pensamento.
São muitas as adversidades e contrariedades vivenciais de Antero que, não conseguindo atingir os seus ideais, até porque a doença assim não o permitia, cai num estado de grande tristeza, melancolia e abstração, conduzindo o desalento do poeta a um estado de renúncia, de abandono perante as contínuas decepções com que se confrontava e que atormentava o seu espírito: "Deixá-la ir, a ave, a quem roubaram/ Ninho e filhos e tudo, sem piedade.../ Que a leve o ar sem fim da soledade/ Onde as asas partidas a levaram.../ Deixá-la ir, a vela que arrojaram/ Os tufões pelo mar, na escuridade,/Quando a noite surgiu da imensidade,/ Quando os ventos do Sul se levantaram.../ Deixá-la ir, a alma lastimosa,/ Que perdeu fé e paz e confiança,/ À morte queda, à morte silenciosa.../ Deixá-la ir, a nota desprendida/ Dum canto extremo... e a última esperança... E a vida... e o amor... deixá-la ir, a vida!" (Sérgio, 1979: 80).

Na realidade, mesmo que no seu ser, torturado pela dor da não concretização, haja rasgos de esperança que o fazem caminhar ansiosamente, rumo à conquista de um sonho, ele sabe que afinal jamais chegará.


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