Dia das Mães


É preciso comparar


Eu deveria ter contado tudo a ela. Mamãe adora histórias. Não é tão ruim quando se pensa. Poderia ter sido pior. Pense em como acabou aquele rapaz que foi a Boston implantar um rim novo. Ficou famoso nas notícias mas acabou morrendo.

Penso na Laika, a cadelinha espacial. Foi colocada dentro do Sputinik e enviada ao espaço. Ligaram fios no coração e no cérebro dela para observar seu estado. Não creio que ela se sentia bem. Girou lá em cima cinco meses até a comida dela acabar. Morreu de fome. É importante ter coisas assim para comparar.

Penso naquela mulher que foi a Etiópia como missionária. Ela foi morta a pauladas no meio do sermão. Precisa-se sempre comparar. Penso no cara que foi ao cinema ver o filme "Tarzan na lagoa". Depois pendurou-se num fio de alta tensão e morreu na hora. Nunca se deve bancar o Tarzan. Eu deveria ter contado tudo enquanto ela tinha saúde. Histórias da vida. Mamãe gostava delas. Fazia coleção. É preciso ter alguma coisa para contar a ela. Gosto muito quando ela ri porque aí esquece os livros. Ela lê demais. Esse é o problema. É bom... faz com que pense em outras coisas. Acho que amo a Sickan tanto quanto a mamãe.

Mamãe era fotógrafa, antes de adoecer. Tinha um atelier. Teve que parar. Poderia ter sido pior. É importante lembrar isso. Lembro-me do desastre sobre o qual li. Um trem chocou-se com um ônibus em Chyeksbo. Seis pessoas morreram, catorze ficaram feridas. Deve-se comparar. É preciso ter cuidado com os ônibus. Eu poderia estar naquele. Me dá pena quando penso na pobre cadela Laika. Maldade mandarem a coitada na astronave... sem comida o bastante. Ela teve de servir ao progresso do homem. Não pediu para ir. Eu deveria ter contato tudo a ela... enquanto ela gozava de boa saúde. Ela tem bom senso de humor. Sobre o cabelo verde do Manne, e a cuia voadora que o pai dele fez. Do Fransson no telhado e dos malucos daqui. Ela teria rido muito. Garanto. Realmente tenho tido sorte, comparado aos outros. É preciso comparar para sentir a distância entre as coisas, como a Laika. Ela deve ter visto as coisas em perspectivas. É importante manter certa distância.

Penso no cara que tentou um recorde mundial saltando sobre ônibus numa motocicleta. Ele alinhou trinta e um ônibus. Tivesse deixado por trinta, ainda estaria vivo. Imagine, não bateu o recorde do mundo por um ônibus. O último. Bateu com a roda traseira nele.
Penso naquele sujeito que atravessou o campo da praça de esportes. Um dardo atravessou o peito dele. Atravessou o peito dele. Ele deve ter ficado muito surpreso. É estranho como não consigo deixar de pensar na Laika. Eu não devia pensar tanto! O tempo cura as feridas, como diria a Sra Arvidsson. Ela diz muita coisa sábia. Aconselha a gente a esquecer. É importante comparar. Pense numa cachorra como a Laika. Eles sabiam desde o começo que ela não voltaria viva. Sabiam que ela ia morrer. Eles simplesmente a mataram.
Do filme Minha Vida de Cachorro
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Feliz Dia das Mães

Comentários

dade amorim disse…
Minha flor, que saudade daqui! Uma boa surpresa, o novo look do Literatus. O post também, muito bom.
Quanto ao Artur da Távola, partilho com você toda a admiração e até o carinho que tinha por ele, mesmo sem nunca ter conhecido mais de perto do que a telinha da tv ou os artigos dele, que leio há muitos anos. Uma pessoa realmente especial.
Um beijo imenso. Sei bem como você se sente hoje, pensando em sua fotógrafa predileta.

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