Essa segunda-feira, 13 de junho, eu sei, já entrou para as minhas datas inesquecíveis. Uma história de amor acabou, uma notícia de câncer na família e a morte do poeta Eugénio de Andrade. A história, analisando friamente, talvez nem fosse de amor, e ainda que seja, eu sei, tudo passa e essa também passará. Quando penso nessa pessoa doente, e lembro da importância dele na minha vida, só posso chorar, nada há mais para fazer e finalmente, a morte do poeta, fecha um dia triste, como um dia triste tem de ser fechado, com poesia. Vamos a ela, então.



13/06/2005 - Morre Eugénio de Andrade



Morreu Eugénio de Andrade. Um dos nomes grandes da poesia portuguesa, Eugénio de Andrade estava já doente há alguns meses. A morte chegou na madrugada desta segunda-feira, aos 82 anos.

José Fontinhas (nome verdadeiro de Eugénio de Andrade) nasceu numa pequena aldeia da Beira Baixa, a Póvoa da Atalaia, no dia 19 de Janeiro de 1923. Filho de uma família de camponeses, o poeta teve A sua infância muito ligada à mãe, figura dominante de toda a sua vida e da sua poesia.

Com o fim do casamento dos pais, Eugénio de Andrade muda-se com a mãe para Castelo Branco. Em 1932 muda-se novamente, desta vez para Lisboa, onde permanece por 11 anos.
Em 1939 publica o seu primeiro poema, «Narciso» e, pouco tempo depois, passa a assinar sob o pseudónimo de Eugénio de Andrade. Dois anos depois faz-se a primeira referência pública à sua poesia na conferência que Joel Serrão, seu amigo, pronunciou na Faculdade de Letras de Lisboa. Em Novembro de 1942 sai à rua o seu primeiro livro de poesia, «Adolescente». O ano de 1944 trás as primeiras traduções dos seus poemas para Francês e em 1945, a Livraria Francesa publica o seu livro «Pureza». A partir de 1948 dá-se uma reviravolta na vida. A publicação de «As Mãos e os Frutos», trás consigo o sucesso e a partir dessa data, inicia-se um período especialmente rico na produção na poesia, mas também na prosa, na tradução e na antologia. Em 1991 nasce a Fundação Eugénio de Andrade.

A obra de Eugénio de Andrade inclui mais de duas dezenas de títulos de poesia, e inclui ainda prosa, antologias, álbuns, livros para crianças e traduções para português de grandes poetas estrangeiros (Lorca, Safo, Char, Reverdy, Ritsos, Borges). Está publicado em 20 línguas e em 20 países, Alemanha, Itália, Venezuela, China, Espanha, no México, Luxemburgo, em França, nos Estados Unidos da América, o que faz dele o poeta português mais traduzido depois de Fernando Pessoa.








"Caro leitor:

Escrevo-te pela primeira vez, pois não sou um homem de cartas, conversas e coisas assim. Daí a dificuldade. Custa-me imaginar-te em corpo e figura, pois nunca pensei em ti - esta é a verdade. Se a brutalidade te ofender, perdoa-me ao menos a franqueza. Naturalmente que há mais de quarenta anos que sei da tua existência, e tenho até sido sensível a alguns sinais teus. Para ser amado se escreve, tem sido já dito; eu limito-me a confirmá-lo. Mas no meu caso gostaria que as emoções, que os despertam ou inspiram, ficassem no âmbito do leitor. As minhas, quando as tive, são privadas; só a poesia é pública. Sou, como vês, um homem cujo único compromisso é com as palavras. Agora que me pedem que me dirija a ti, interrogo-me: para quem escrevo eu? Sempre pensei que o fazia para muito poucos, mas o número, a avaliar pelas reedições, tem crescido muito. Nada fiz para isso, acredita. Um poeta, creio que já o disse um dia, não escolhe os seus leitores; ao contrário, é escolhido por eles, são eles a dar-lhe corpo e figura. Como poderia ser de outra maneira?

Afectuosamente,

Eugénio de Andrade
"Mensagem pessoal acompanhando a edição Poesia e Prosa (1940-1986).





Na orla do mar

Na orla do mar,
no rumor do vento,
onde esteve a linha
pura do teu rosto
ou só pensamento
- e mora, secreto,
intenso, solar,
todo o meu desejo -
aí vou colher
a rosa e a palma.
Onde a pedra é flor,
onde o corpo é alma.
Eugénio de Andrade




Tu já tinhas um nome, e eu não sei
se eras fonte ou brisa ou mar ou flor.
Nos meus versos chamar-te-ei amor.
Eugénio de Andrade, Madrigal
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Variações em tom menor

Para jardim te queria.
Te queria para gume
ou o frio das espadas.
Te queria para lume.
Para orvalho te queria
sobre as horas transtornadas.

Para a boca te queria.
Te queria para entrar
e partir pela cintura.
Para barco te queria.
Te queria para ser
canção breve, chama pura.

In: Poemas de Eugénio de Andrade - Seleção, estudo e notas de Arnaldo Saraiva, Ed. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1999, pg.72




«Porque também para Mozart houve morte caríssimo! E se Mozart morreu, como poderão os meus amigos ser imortais? O Aires, a Nelmi, o Armando, a Matilde, o Célio, todos morrerão e eu com eles a cada instante. Mesmo tu David, acabarás também por morrer; as cordas deixarão de soar; uma poeira muito fina poisará docemente na tua harpa, para sempre.»
Eugénio de Andrade, Excessivo é ser Jovem, Em Memórias da Alegria




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