"Se este avião caísse, com ele cairia um homem que pelo menos
entenderia a fábula da folha que se desprendeu e desaparecia;
e assim seu coração, na terra, no mar e no céu, como
de triste e maduro caísse, não se surpreenderia, nem reclamaria;
pois se esse aflito coração, de ter amado e sofrido, na
amplitude de morte se conformaria..."

Paulo Mendes Campos - in: Moscou-Varsóvia - fragmento (1956).



Meu primeiro contato com Paulo Mendes Campos foi através da sua prosa deliciosa. Do poeta, só muito tempo depois fui saber. Outra deliciosa descoberta.

"Sobre seus poemas, o crítico Geraldo Pinto Rodrigues afirmou: "poesia toda ela (ou quase toda) feita de uma saudade pungentemente melancólica, ligada às mais legítimas e puras vertentes da lírica luso-brasileira, os versos de Paulo Mendes Campos revestem-se de um ingênuo encantamento e lhe dão a medida exata de sua alma e de seu modo de ser".

Quem teve o privilégio de conhece-lo de perto, diz que esse mineiro tímido era um excelente contador de histórias e um frasista contumaz. Ainda assim, ouvia mais do que falava e vendo sem ser visto, enxergava as nuances do cotidiano, aqueles detalhes que passam desapercebidos aos olhos comuns do dia-adia. E foi assim silenciosamente que Paulo Mendes Campos nos deixou.


"Um resfriado forte, com ares de pneumonia, resultaria, no intervalo de uma semana, em um fulminante derrame cerebral. Na madrugada de 1 de julho de 1991 Paulinho acordou passando mal. Sua mulher o levou ao banheiro mas um infarte fulminante o liquidou. A cena toda durou um par de minutos. O tempo exato de uma despedida. Sem concessões para tributos ou manifestações de pesares. Bem do jeito de Paulinho, que ficaria levemente ruborizado com a empreitada de Flávio Pinheiro. Ou repetiria, assim como quem não quer nada, as linhas finais de seu "Poema didático": "De todo, se multipliquei a minha dor, também multipliquei a minha esperança".





Segredo


'Há muitas coisas que a psicologia não nos explica. Suponhamos que você esteja em um 12º andar. Em companhia de amigos, e, debruçando-se à janela, distinga lá embaixo, inesperada naquele momento, a figura de seu pai, procurando atravessar a rua ou descansando em um banco diante do mar. Só isso. Por que, então, todo esse alvoroço que visita a sua alma de repente, essa animação provocada pela presença distante de uma pessoa da sua intimidade? Você chamará os amigos para mostrar-lhes o vulto de traços fisionômicos invisíveis: 'Aquele ali é papai'. E os amigos também hão de sorrir, quase enternecidos, participando um pouco de sua glória, pois é inexplicavelmente tocante ser amigo de alguém cujo pai se encontra longe, fora do alcance do seu chamado.
Outro exemplo: você ama e sofre por causa de uma pessoa e com ela se encontra todos os dias. Por que, então, quando esta pessoa aparece à distância, em hora desconhecida aos seus encontros, em uma praça, em uma praia, voando na janela de um carro, por que essa ternura violenta dentro de você, e essa admirável compaixão?
Por que motivo reconhecer uma pessoa ao longe sempre nos induz a um movimento interior de doçura e piedade?
Às vezes, trata-se de um simples conhecido. Você o reconhece de longe em um circo, um teatro, um campo de futebol, e é impossível não infantilizar-se diante da visão.
Até para os nossos inimigos, para com as pessoas que nos são antipáticas, à distância, em relação ao desafeto, atua sempre em sentido inverso. Ver um inimigo ao longe é perdoá-lo bastante.
Mais um caso: dois amigos íntimos se vêem inesperadamente de duas janelas. Um deles está, digamos, no consultório do dentista, o outro visita o escritório de um advogado no centro da cidade. Cinco horas da tarde; lá embaixo, o tráfego estridula; ambos olham distraídos e cansados quando se descobrem mutuamente. Mesmo que ambos, uma hora antes, estivessem juntos, naquele encontro súbito e de longe é como se não se vissem há muito tempo; com todas as graças da alma despertas, eles começam a acenar-se, a dar gritos, a perguntar por gestos o que o outro faz do outro lado. Como se tudo isso fosse um mistério.
E é um mistério'.



Paulo Mendes Campos - In: Livro: Para Gostar de Ler, volume 4 - Crônicas


Leia: http://www.descubraminas.com.br/destinosturisticos/hpg_pagina.asp?id_pagina=1001.
http://www.geocities.com/TheTropics/8662/paulomendes.htm

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