Hoje o Literatus está de luto. Estaria de qualquer jeito, mesmo que não se tratasse do filho de alguém conhecido no meio literário, dentro e fora da net. Está de luto pelo Gabriel, pela sua família, mas sobretudo por nós mesmos que jamais saberemos quem foi Gabriel, como ele se sairia na Faculdade de Jornalismo, que causas abraçaria, as matérias que escreveria, que homem digno de formação exemplar formaria sua própria família. Perdemos nós, perdeu o mundo que ficou mais pobre sem a sua presença.
Abaixo está a matéria escrita por seu pai publicada no site Novae e hoje no Globo. O Jornal traz ainda a notícia da prisão do assassino, o protesto que será feito contra a violência e a possibilidade da Biblioteca local levar o nome de Gabriel. Que assim seja.










Gabriel foi para o Céu
Por Cláudio Alex Fagundes da Silva


Eu sou um homem tranqüilo. Sou professor e estou estudando para ser cada vez melhor professor. Tenho dois metros de altura, mas jamais na minha vida agredi a um ser humano ou animal. Entretanto, nunca fui um ser passivo. Sempre me coloquei do lado dos mais fracos e oprimidos e na defesa dos direitos dos seres subjugados pelo sistema perverso que a todos submete.

Meu filho foi criado num ambiente de respeito, de amor e de não violência. Ele era - e sempre será - o meu filho adorado. Porque era justo, íntegro, leal, honesto e, extremamente afetivo. Não gostava de estudar, não queria ser nada, queria escalar montanhas e ficar o mais perto possível do Céu. Dito assim parece palavras de um pai que só vê as coisas boas dos filhos. Não é assim. Meu filho tinha imperfeições, mas eram pequenas perto do imenso coração que transbordava de afeto e emoção em tudo que fazia. Era um pacifista. Detestava crueldades e era inconformado com esse mundo de desigualdades. Mas vivia sorrindo e cheio de alegria. Seu sorriso jamais será esquecido por todos que o conheceram.

Teve apenas uma namorada. Uma única moça que ele amou completamente e foi plenamente correspondido. Viviam felizes, riam brincavam na minha casa. Foram dois anos de tranqüilidade e muito amor. Os dois juntos faziam um casal lindo. Amoroso, carinhosos um com o outro. Gabriel amava à Tainá como ao dia e às montanhas que era sua escada para o Céu, como na música do Led Zepelin.

Mas atendendo aos apelos do pai, da mãe e dos avós, e tentando ser um homem melhor para a Tainá, Gabriel fez um esforço, estudou passou no vestibular e ingressou na Faculdade Helio Alonso, onde desejava se especializar em jornalismo ambiental. Soubemos disse, eu e ele, no dia 2 último e eu estava no Rio - moro em São Paulo há três meses - com ele e tive o prazer de desfrutar os melhores dias de toda a sua vida e do nosso relacionamento de pai e filho. Estávamos os dois extremamente felizes, ficamos juntos o tempo todo, todos os 3 dias que estive no Rio no começo do mês. Saímos, conversamos, brincamos. Com mais intensidade do que das últimas vezes, que tinham sido tomadas por preocupações até mesmo de sobrevivência. Queria dar mais para o meu filho, mas não podia. Meu salário de funcionário público foi muito desgastado nos últimos anos.

Mas desta vez eu e ele brincamos como passei toda a vida brincando com ele. Nós nos entendíamos como irmãos, como amigos, como duas almas muito parecidas. Eu compreendia perfeitamente tudo que ele me dizia diretamente ou que lia em seus pensamentos e sentimentos. Eu brincava com ele, como um irmão que ele não teve. Nos últimos dias que passamos juntos revivemos tempos em que montávamos verdadeiras cidades no chão do apartamento, quando jogávamos juntos videogame.

Foi o último momento que passamos juntos. Falamos algumas vezes pelo telefone. Ele me disse que ia para Búzios, o lugar mais bonito do mundo que eu conheço. E eu disse que ele aproveitasse, mas se cuidasse, pois teria uma vida nova pela frente. Pedi especialmente que não exagerasse na bebida. Pedi muito que ele se cuidasse.

Foi a última vez que nos falamos.

Na madrugada entre sábado e domingo eu estava dormindo com minha esposa Liliam, quando acordei sobressaltado às 3 horas da manhã. Levantei e vim para o computador me distrair com um game que eu e Gabriel adorávamos jogar. Foi quando o telefone tocou e eu ouvi que era de Búzios e meu coração sobressaltou. O médico me passou a notícia que eu sempre tive medo de ouvir. Uma bala havia levado a vida de meu menino. Uma bala que atingiu justamente aquilo que ele tinha de melhor: o seu coração. Atravessou-o de lado a lado e rompeu a aorta. Mesmo que ele estivesse aqui no Instituto do Coração em São Paulo. Não haveria jeito. Ainda tentei confortar o médico que o atendeu. O médico chorava. O tiro foi no coração, os jornais falam de "tiro na cabeça". Estão errados. Tenho a certidão de óbito: foi um tiro no coração que matou o meu menino.

Fui para o Rio e não fui ao cemitério. Não quis vê-lo morto. Eu quis ficar com a imagem dos últimos dias que passamos juntos. Procurei consolar os velhos. Mas eles foram mais fortes do que eu. Resolveram as coisas práticas. Meu irmão foi buscar o corpo de meu filho no IML de Cabo Frio, não dá para descrever a dor e o amor com que ele fez isso. Não dá para descrever a dor que todos sentem. O bairro inteiro de Laranjeiras está de luto. Gabriel foi enterrado com a camisa do Fluminense que eu mesmo lhe dei de presente, pois somos tricolores de coração. Todos.

E também um pouco de São Paulo onde tenho amigos e onde vivo atualmente com minha atual esposa, Liliam, meu segundo casamento, e que me acompanhou o tempo todo nesse percurso doloroso de São Paulo-Rio-São Paulo. Percurso que eu fiz mais de 100 vezes nos últimos 3 anos para dar atenção ao meu filho e ficar com a mulher que amo.

Não sou homem que pensa em vingança. Jamais me passou pela cabeça desejar o mal de ninguém. Não desejo, pessoalmente e do fundo do coração, que as pessoas que mataram o Gabriel sofram ou sejam mal-tratadas. Mas existe uma responsabilidade social a ser apurada, pois houve um crime contra a sociedade e essas pessoas devem ser encontradas, presas e julgadas - todos os cinco - e que o crime seja devidamente qualificado como latrocínio e por motivo fútil, e por motivo torpe, pois eram pessoas fortes armadas contra rapazes fracos e desarmados. Eles foram encostados na parede e meu filho foi executado porque reclamou que seu celular estava sendo roubado. Não gritou, não pediu socorro apenas disse: "Vocês estão me roubando". E roubaram o celular dele. E o fuzilaram a queima-roupa. Mataram meu filho por causa de um aparelho que não custa mais do que 200 reais em suaves prestações.

E aos homens da justiça, aqui na Terra, por favor, não sejam coniventes com o crime que foi cometido. O jornal "O Dia" (edição impressa do dia 15 de julho de 2003) publicou a insinuação de um policial militar que eu não gostei. Algumas de suas observações feitas não foram bem aceitas pela família. Foram ditas coisas que ensejam a impunidade. E o jornal o "O Dia" deveria ser mais cuidadoso para não ser um porta-voz do crime e sim da justiça que é o papel da boa imprensa. Foi um crime covarde, um latrocínio e por motivo torpe. Exijo essa qualificação.

Mataram meu filho talvez por que ele fosse um rapaz muito bonito. Tinha um sorriso de anjo: o anjo Gabriel que voltou pro Céu, talvez para se preparar para anunciar, novamente, a volta de Cristo, desta vez para julgar os sentimentos dos homens.

Sou católico, e desejo para todos o que Cristo nos legou.
Para todos - sem exceção - desejo a Paz de Cristo.


Cláudio Alex Fagundes da Silva. Professor e Pesquisador do IBGE. Pai de Gabriel Araújo Fagundes da Silva, a quem muito amei e amarei por toda a eternidade.
Escrevo esta matéria para ser publicada no site http://www.novae.inf.br. Reproduções deverão citar essa fonte.

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