Em 04 de janeiro de 1988, falecia o cartunista Henfil.
Sabe aquele tipo de pessoa que quando você conhece um pouquinho da sua vida, dá uma vontade imensa de ter sido amigo, de ter conhecido, convivido, conversado, ouvido? Pois é, adoraria ter conhecido Henfil.
Henfil usava sua arte para uma crítica ácida ao sul maravilha, a terra prometida, descompromissada com tantos retirantes que chegavam e continuam chegando por aqui na ilusão de uma vida melhor. Era crítico, satírico, humorístico numa época que viver era ainda mais perigoso, plena ditadura e ele com seu traço, traçada sua história.

Foi embalador de queijos, "boy" de agência de publicidade e jornalista, até especializar-se, no início da década de 60, em ilustração e produção de histórias em quadrinhos, tornando-se conhecido nacionalmente, a partir de 1969, quando passou a colaborar no "Pasquim", lançando em 1970 a revistinha "Os Fradinhos", ou apenas "Fradins".









Foi em 1964 o início da carreira de cartunista e quadrinhista Henfil. Deu-se na Revista Alterosa de Belo Horizonte, a convite do editor e escritor Robert Dummond, onde nasceram originalmente "Os Fradinhos". Seguiu trabalhando em vários jornais e partir de 1969, fixou-se no semanário Pasquim e no Jornal do Brasil, onde seus personagens atingiram um nível de popularidade pouco comum em termos de Brasil.

Além das histórias em quadrinhos e cartuns de estilo inconfundível, Henfil realizou, também, uma peça de teatro e vários livros. Lembro que o primeiro livro que li de Henfil foi "Henfil na China", nem sei como veio parar nas minhas mãos, só sei que adorei. Aprendi mais sobre a China do que qualquer livro de história poderia ensinar me ensinar e de forma muito mais divertida.


Henfil destacou-se, também, pela sua participação na política do país, devido ao seu engajamento na resistência contra a ditadura, pela democratização do país, pela anistia aos presos políticos e pelas Diretas Já.


O Brasil da Anistia

Desde o seu lançamento, em 15 de maio de 1979, a música "O Bêbado e o Equilibrista" se tornou a canção mais escutada nos protestos e passeatas pelo Brasil. De autoria de Aldir Blanc e João Bosco, ela marcou um importante momento na história do Brasil. Era o ano da Lei da Anistia. A população esperava do governo Figueiredo a "abertura lenta e gradual" prometida pelo governo Geisel. O país esperava recomeçar...

"O Bêbado e o Equilibrista" é uma metáfora do momento. O bêbado é a representação do regime autoritário: trajando luto, abalado com as repercussões das mortes e torturas nos porões da ditadura, na completa ausência de cor e vida, saudando a noite do Brasil. O equilibrista é a população brasileira, que "dança na corda bamba." Aqueles que não tinham o presente nas mãos, mas se equilibravam esperando um futuro melhor. Os autores mostram a resitência de quem lutava contra o regime, como as Marias e Clarices, imagens da resistência a ditadura. Maria, a mãe de Henfil, que estava na lista negra da censura, e de Herbert de Souza, o Betinho, exilado na China comunista. E Clarice, viúva de Vladimir Herzog, que lutou para conseguir, através dos tribunais, culpar os responsáveis pela morte de seu marido: a União.


"O bêbado e o equilibrista"

Caía a tarde feito um viaduto
e um bêbado trajando luto
me lembrou Carlitos.

A lua,
tal qual a dona do bordel,
pedia a cada estrela fria
um brilho de aluguel.

E nuvens,
lá no mata-borrão do céu,
chupavam manchas torturadas,
que sufoco.

Louco,
o bêbado com chapéu côco
fazia irreverências mil
prá noite do Brasil.


Meu Brasil...
que sonha
com a volta do irmão do Henfil,
com tanta gente que partiu
num rabo de foguete.

Chora
a nossa pátria-mãe gentil,
choram Marias e Clarices
no solo do Brasil.

Mas sei
que uma dor assim pungente
não há de ser inultimente
a esperança
dança na corda bamba de sombrinha,
em cada passo dessa linha
pode se machucar

Azar,
a esperança equilibrista
sabe que o show de todo artista
tem que continuar


Fonte: O Brasil da Anistia



Do livro Diretas Já :


"Se não houver frutos
Valeu a beleza das flores
Se não houver flores
Valeu a sombra das folhas
Se não houver folhas
Valeu a intenção da semente"










Fico pensando nele nesse momento em que Lula chega ao poder. Tantos anos esperando pela democracia, por eleições diretas, pelo direito de escolha, pelo fim dos obscuros tempos da ditadura e agora um operário tem como seu primeiro diploma o de Presidente do Brasil. O que diriam Fradim, Zeferino, Graúna? Nunca saberemos, mas desconfio que onde quer que Henfil esteja, certamente esta sorrindo e muito!



Valeu, Henfil!










andrea augusto©angelblue83


















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