Simone de Beauvoir.


"... Que nada nos limite/ Que nada nos impeça/ Que nada nos sujeite/ Que a liberdade seja/ A nossa própria substância" (Simone de Beauvoir)


Morreu numa tarde de primavera, vítima de edema pulmonar, num hospital à margem esquerda do Sena, em Paris, a escritora e filósofa Simone de Beauvoir. Exatamente um dia antes do sexto aniversário da morte do filósofo Jean-Paul Sartre. Juntos e separados eles viveram, desde 1929, um dos maiores amores do século 20". Jornal do Brasil 



Conta a história que uma amiga de Simone de Beauvoir, professora universitária como ela, encontrou-a no corredor e disse: "Escolhi uma turma só de meninos. Eles são melhores, mais atentos. Já as meninas ficam sonhando e fazem cada pergunta fraca..." Simone não deu ouvidos. Sorte da colega, que escapou de enfrentar a fúria de uma feminista nata, sensível e inteligente. Aos 17 anos, Simone já era bacharel em Filosofia pela Sorbonne e, aos 21, dava aulas na universidade. Convicta de sua crença na necessidade de uma revolução das mulheres, vociferava até contra os livros de história infantil: meninas medrosas, sempre salvas pelos garotos. Para a escritora, é assim que se começa a lavagem cerebral. Entre os livros que escreveu está o clássico O segundo sexo (1949), em que ataca o casamento e a maternidade como formas de submissão. Com o filósofo Jean-Paul Sartre, seu companheiro por mais de 50 anos, teve um relacionamento inédito na época. Eles nunca se casaram, viveram em casas separadas, embora vizinhos de porta, e foram assumidamente infiéis. Além do amor por Sartre, a escritora nutriu paixões homossexuais, como a que veio à tona nos anos 90, com a aluna Bianca Lamblin, que revelou a história em livro.



Claro que esse é o resumo do resumo da história dela. Simone era uma intelectual de inteligência privilegiada. Participante do grupo de escritores filósofos que deram uma transcrição literária dos temas do Existencialismo, ela é conhecida primeiramente por seu tratado Le Deuxième Sexe (1949 - O Segundo Sexo), um apelo intelectual e apaixonado pela abolição do que ela chamou o mito do "eterno feminino". Esta notável obra tornou-se um clássico da literatura feminista.


Educada em instituições privadas, Simone depois freqüentou a Sorbone onde, em 1929, concluiu filosofia e conheceu Jean-Paul Sartre, começando com ele um companheirismo por todo o resto da vida. Ela ensinou em várias escolas (1931-43) antes de voltar-se para escrever para se manter. Em 1945 ela e Sartre fundaram e começaram a editar Les Temps modernes, uma revista mensal, da qual eles próprios eram os principais colaboradores.


Suas novelas abordavam os principais temas Existenciais, demonstrando sua concepção do compromisso do escritor com sua época. L'Invitée (1943 - "A convidada") descreve a destruição do relacionamento de um casal sutilmente provocada pela permanência prolongada de uma jovem em sua casa, e também trata do difícil problema de relacionamento de uma consciência para com outra, cada consciência individual sendo fundamentalmente predadora da outra.

Preocupada também com o problema da velhice, que ela aborda em Une Mort très douce (1964 - "Uma morte suave"), sobre a morte de sua mãe num hospital, e La Vieillesse (1970; Old Age), uma amarga reflexão sobre a indiferença da sociedade pelos velhos. Em 1981 ela escreveu La Cérémonie des adieux ("Cerimônia do adeus"), um doloroso relato dos últimos anos de Sartre.

Considerada uma mulher corajosa e íntegra, Simone de Beauvoir viveu de acordo com sua própria tese de que as opções básicas de um indivíduo devem ser feitas sobre a premissa e uma vocação igual para o homem e a mulher fundadas na estrutura comum de seus seres, independentemente de sua sexualidade.




Trecho de A Força da Idade.

"Para que minha vida me bastasse, precisava dar seu lugar à literatura. Em minha adolescência e minha primeira juventude, minha vocação fora sincera mas vazia; limitava-me a declarar: "Quero ser uma escritora". Tratava-se agora de encontrar o que desejava escrever e ver em que medida o poderia fazer: tratava-se de escrever. Isso me tomou tempo. Eu jurara a mim mesma, outrora, terminar com vinte e dois anos a grande obra em que diria tudo; e tinha já trinta anos quando iniciei o meu primeiro romance publicado, A convidada. Na minha família e entre minhas amigas de infância, murmurava-se que eu não daria nada. Meu pai agastava-se: "Se tem alguma coisa dentro de si, que o ponha para fora". Eu não me impacientava. Tirar do nada e de si mesma um primeiro livro que, custe o que custar, fique em pé, era empresa, bem o sabia, exigente de numerosíssimas experiências, erros, trabalho e tempo, a não ser em virtude de um conjunto excepcional de circunstâncias favoráveis. Escrever é um ofício, dizia-me, que se aprende escrevendo. Assim mesmo dez anos é muito e durante esse período rabisquei muito papel. Não creio que minha inexperiência baste para explicar um malogro tão perseverante. Não era muito mais esperta quando iniciei A convidada. Cumpre admitir que encontrei então "um assunto" quando antes nada tinha a dizer? Mas há sempre o mundo em derredor; que significa esse nada? Em que circunstâncias, por que, como as coisas se revelam como devendo ser ditas?
A literatura aparece quando alguma coisa na vida se desregra; para escrever - bem o mostrou Blanchot no paradoxo de Aytré - a primeira condição está em que a realidade deixe de ser natural; somente então a gente é capaz de vê-la e de mostrá-la."


Trecho de A Força da Idade (La Force de l'Age - 1960), livro de memórias de Simone de Beauvoir, no qual relembra o início de sua aventura literária, nos anos 30 e 40, ao lado de Sartre a quem o livro é dedicado.


Simone de Beauvoir faleceu no dia 14 de abril de 1986.

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