Fragmentos para dominar o silêncio.
Alejandra Pizarnik

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©ann chaikin
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A que nasceu póstuma.

A sensação que ela sempre tivera na vida, era de que nascera póstuma para o mundo.
Parecia e era recorrente que todo mundo tinha um grande amor inesquecível no passado, uma paixão avassaladora, um momento absoluto, uma felicidade indescritível. Ora, ela também tinha tido as dela, mas o verbo conjugava o passado e quando outras vidas chegavam até ela, deveriam vir limpos da poeira das lembranças, assim como ela. Quando uma promessa se aproximava, previamente já havia lençóis sobre os móveis das lembranças. Imóveis em um tempo passado, deixados lá, estáticos porque se assim não fosse, ela ainda estaria tentando, brigando, agonizando por amores mortos, paixões doentias, momentos únicos como todos os momentos são.
Mas assim não era, vidas iam e vinham e traziam sempre, ainda latente, resquícios de um passado recente ou nem tanto. Sempre uma história tão presente que não cabia nenhuma outra naquele momento, ainda que pensassem que sim. Luta inglória e derrota certa.
Havia nos sentimentos dela toda a fúria do querer enquanto o momento fosse agora, passada a latência não cabia sequer a lembrança. Mas ela não encontrava em ninguém essa correspondência e deixava que se fossem porque não haveria nenhum futuro enquanto ali estivesse todo o passado.
06/12/07 - andrea augusto©angelblue83


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©jakub krechowicz

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Saudade é o sentimento mais bonito que existe. Antes eu achava que era o amor, mas o amor pode ser muito feio, já a saudade imprime beleza em tudo porque tem como aliado o tempo que suaviza as lembranças.
andrea augusto©angelblue83

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Não é solidão com asas,
é o silêncio da prisioneira,
é a mudez de pássaros e vento,
é o mundo irritado com meu riso
ou os guardiões do inferno
rompendo minhas cartas.
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Tenho chamado, tenho chamado
Tenho chamado até nunca.
Alejandra Pizarnik

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Carta a Mário de Sá-Carneiro

Escrevo-lhe hoje por uma necessidade sentimental - uma ânsia aflita de falar consigo. Como de aqui se depreende, eu nada tenho a dizer-lhe. Só isto - que estou hoje no fundo de uma depressão sem fundo. O absurdo da frase falará por mim.
Estou num daqueles dias em que nunca tive futuro. Há só um presente imóvel com um muro de angústia em torno. A margem de lá do rio nunca, enquanto é a de lá, é a de cá; e é esta a razão íntima de todo o meu sofrimento. Há barcos para muitos portos, mas nenhum para a vida não doer, nem há desembarque onde se esqueça. Tudo isto aconteceu há muito tempo, mas a minha mágoa é mais antiga.
Em dias da alma como hoje eu sinto bem, em toda a minha consciência do meu corpo, que sou a crianca triste em quem a vida bateu. Puseram-me a um canto de onde se ouve brincar. Sinto nas mãos o brinquedo partido que me deram por uma ironia de lata. Hoje, dia catorze de Março, às nove horas e dez da noite, a minha vida sabe a valer isto.No jardim que entrevejo pelas janela caladas do meu sequestro, atiraram com todos os balouços para cima dos ramos de onde pendem; estão enrolados muito alto; e assim nem a ideia de mim fugido pode, na minha imaginacão, ter balouços para esquecer a hora.
Pouco mais ou menos isto, mas sem estilo, é o meu estado de alma neste momento. Como à veladora do "Marinheiro" ardem-me os olhos, de ter pensado em chorar. Dói-me a vida aos poucos, a goles, por interstícios. Tudo isto está impresso em tipo muito pequeno num livro com a brochura a descoser-se.
Se eu não estivesse escrevendo a você, teria que lhe jurar que esta carta é sincera, e que as coisas de nexo histérico que aí vão saíram espontâneas do que me sinto. Mas você sentirá bem que esta tragédia irrepresentável é de uma realidade de cabide ou de chávena - cheia de aqui e de agora, e passando-se na minha alma como o verde nas folhas.Foi por isto que o Príncipe não reinou. Esta frase é inteiramente absurda. Mas neste momento sinto que as frases absurdas dão uma grande vontade de chorar.Pode ser que, se não deitar hoje esta carta no correio amanhã, relendo-a, me demore a copiá-la à máquina, para inserir frases e esgares dela no "Livro do Desassossego". Mas isso nada roubará à sinceridade com que a escrevo, nem à dolorosa inevitabilidade com que a sinto.As últimas notícias são estas. Há também o estado de guerra com a Alemanha, mas já antes disso a dor fazia sofrer. Do outro lado da Vida, isto deve ser a legenda duma caricatura casual.Isto não é bem a loucura, mas a loucura deve dar um abandono ao com que se sofre, um gozo astucioso dos solavancos da alma, não muito diferentes destes.De que cor será sentir?

Milhares de abraços do seu, sempre muito seu,

FERNANDO PESSOA
P.S. - Escrevi esta carta de um jacto. Relendo-a, vejo que, decididamente, a copiarei amanhã, antes de lha mandar. Poucas vezes tenho tão completamente escrito o meu psiquismo, com todas as suas atitudes sentimentais e intelectuais, com toda a sua histero-neurastenia fundamental, com todas aquelas intersecções e esquinas na consciência de si-próprio que dele são tao características...Você acha-me razão, não é verdade?
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2ª parte - morra de amor e por ele seja salvo...
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Não facilite com a palavra amor.
Não a jogue no espaço, bolha de sabão.
Não se inebrie com o seu engalanado som.
Não a empregue sem razão acima de toda a razão (e é raro).
Não brinque, não experimente, não cometa a loucura sem remissão
de espalhar aos quatro ventos do mundo essa palavra
que é toda sigilo e nudez, perfeição e exílio na Terra.
Não a pronuncie.
Carlos Drummond de Andrade

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Fico admirado quando alguém, por acaso e quase sempre
sem motivo, me diz que não sabe o que é o amor.
eu sei exatamente o que é o amor. o amor é saber
que existe uma parte de nós que deixou de nos pertencer.
o amor é saber que vamos perdoar tudo a essa parte
de nós que não é nossa. o amor é sermos fracos.
o amor é ter medo e querer morrer.
José Luís Peixoto, A Criança Em Ruínas



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Ver-nos-emos um dia
náufragos ou cegos
como animais da sombra.
Está escrito.
Na latitude total
da manhã
na aurora trazida pela noite.
Ver-nos-emos na palavra
de instantânea luz
gerada
no resíduo vivo
do amor.
Ver-nos-emos
tu no meu corpo
eu no teu
para celebrarmos
o regresso
da subita apetência
de vida
que um dia
um anjo ofereceu.
Ana Marques Gastão



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Quando os teus olhos absorvem
todas as cores da minha
mais íntima tristeza,
e compreendes e calas e prometes
um lugar qualquer na tua alma,
e a tua voz demora a regressar
ao neutro compromisso das palavras,

sei que as tuas mãos ajudariam
a limpar estas lágrimas antigas
por dentro do meu rosto.

Victor Matos e Sá

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eu quero ser aberto por punhais
e escavado no fundo dos meus ossos
quero abrir esta alma que me morde
como se abre uma noz, ver o que encontro
quero saber bem claro isto da vida:
que louco insaciável represento,
de que sede, que febre somos feitos
héctor yánover

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"Algumas vezes eu fiz muito mal para pessoas que me amaram. Não é paranóia não. É verdade. Sou tão talvez neuroticamente individualista que, quando acontece de alguém parecer aos meus olhos uma ameaça a essa individualidade, fico imediatamente cheio de espinhos - e corto relacionamentos com a maior frieza, às vezes firo, sou agressivo e tal. É preciso acabar com esse medo de ser tocado lá no fundo. Ou é preciso que alguém me toque profundamente para acabar com isso."
Caio Fernando Abreu

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"O tempo seca a saudade,
seca as lembranças e as lágrimas.
Deixa algum retrato, apenas,
vagando seco e vazio
como estas conchas das praias"
Cecilia Meireles

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"Venha quando quiser, ligue, chame, escreva -
tem espaço na casa e no coração, só não se perca de mim."
Caio Fernando Abreu

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