Mater Dolorosa
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Primeiro Dia das Mães sem ela. Soa estranho, é vazio e o mundo continua a movimentar-se apesar da dor. A vida continua e é normal que seja assim. O que pára é o tempo próprio. Pára num dia qualquer, na infância, no momento de um abraço, numa alegria ou tristeza compartilhada. O tempo pára e é sempre no passado, onde encontro ela.
Tem lugares que me levam até ela. Quando olho as pedras da calçada onde tantas vezes andamos juntas, dá vontade de ficar pequena, sentada no caminho tateando seus passos impressos sob outros passos, procurando um fragmento, um caminho que me leve para trás, que me traga de volta aquelas tantas tardes que por ali passamos na mesma direção...
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De tantas dores, grandes amores
tantos que já se foram, outros que nunca estiveram
ter você era aconchego subentendido

A mão estendida que nunca chegava,
apenas bordava preocupada

Entre tantos pontos e motivos coloridos,
desenhos de uma cena feliz
Ali ao lado, eu chorava baixinho
uma perda, uma dor, um amor nunca acontecido

Baixinho eu chorava amparada pela sua presença
logo ali ao alcance das palavras nunca ditas...

andrea augusto©angelblue83– 2006

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De todas as coisas findas
o outono traz sempre o amarelo
folhas no chão e o tempo repetindo estação

Tempo

Desde que você foi embora
o silêncio adquiriu som de melodia triste
o dia insiste em nascer
e é sempre provisório
A noite não, esta se instalou
como tempo definitivo,
e ainda que o sol voltasse
e voltaria
surgiria estranho no céu
como se dele não fizesse parte

Nesse momento não há lugar nenhum no mundo para ir, ainda que por vontade própria ou imprópria intervenção do destino

sendo assim não há nada que me faça ficar, não há caminho, nem refúgio
Afora isso, entre a noite e a noite, estão as sombras.


andrea augusto©angelblue83

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“Sou o silêncio que ficou
uma cidade igual às outras
onde os gritos se esvaem
e a tua morte se tornou minha.

Em tuas asas
quebradas
tudo se desintegra
menos a memória.”

Ana Marques Gastão - Terra sem Mãe

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“Então
a palavra pranto
ergueu-se íngreme
até ao riso.

Repouso
ó mãe
minha morte
em teu colo”

Ana Marques Gastão

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“Minha primeira lágrima caiu dentro de teus olhos.
Tive medo de a enxugar: para não saberes que havia caído.

No dia seguinte, estavas imóvel, na tua forma definitiva,
Modelada pela noite, pelas estrelas, pelas minhas mãos.

Exalava-se de ti o mesmo frio do orvalho; a mesma claridade da lua.

Vi aquele dia levantar-se inutilmente para as tuas pálpebras,
E a voz dos pássaros e a das águas correr,
- sem que a recolhessem teus ouvidos inertes.

Onde ficou teu outro corpo? Na parede? Nos móveis? No teto?

Inclinei-me sobre o teu rosto, absoluta, como um espelho,
E tristemente te procurava.

Mas também isso foi inútil, como tudo mais."

Cecília Meireles

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A Hora da Partida

A hora da partida soa quando
Escurecem o jardim e o vento passa,
Estala o chão e as portas batem, quando
A noite cada nó em si deslaça.
A hora da partida soa quando
As árvores parecem inspiradas
Como se tudo nelas germinasse.

Soa quando no fundo dos espelhos
Me é estranha e longínqua a minha face
E de mim se desprende a minha vida.

Sophia de Mello Breyner Andresen

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Minha mãe


Minha mãe, minha mãe, eu tenho medo
Tenho medo da vida, minha mãe.
Canta a doce cantiga que cantavas
Quando eu corria doido ao teu regaço
Com medo dos fantasmas do telhado.
Nina o meu sono cheio de inquietude
Batendo de levinho no meu braço
Que estou com muito medo, minha mãe.
Repousa a luz amiga dos teus olhos
Nos meus olhos sem luz e sem repouso
Dize à dor que me espera eternamente
Para ir embora.
Expulsa a angústia imensa
Do meu ser que não quer e que não pode
Dá-me um beijo na fronte dolorida
Que ela arde de febre, minha mãe.

Aninha-me em teu colo como outrora
Dize-me bem baixo assim: – Filho, não temas
Dorme em sossego, que tua mãe não dorme.
Dorme. Os que de há muito te esperavam
Cansados já se foram para longe.
Perto de ti está tua mãezinha
Teu irmão, que o estudo adormeceu
Tuas irmãs pisando de levinho
Para não despertar o sono teu.
Dorme, meu filho, dorme no meu peito
Sonha a felicidade. Velo eu.

Minha mãe, minha mãe, eu tenho medo
Me apavora a renúncia.
Dize que eu fique
Dize que eu parta, ó mãe, para a saudade.
Afugenta este espaço que me prende
Afugenta o infinito que me chama
Que eu estou com muito medo, minha mãe.

Vinicius de Moraes - Rio de Janeiro, 1933 - in O caminho para a distância in Poesia completa e prosa: "O sentimento do sublime"

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PERTENCER
(trecho)

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Um amigo meu, médico, assegurou-me que desde o berço a criança sente o ambiente, a criança quer: nela o ser humano, no berço mesmo, já começou.
Tenho certeza de que no berço a minha primeira vontade foi a de pertencer. Por motivos que aqui não importam, eu de algum modo devia estar sentindo que não pertencia a nada e a ninguém. Nasci de graça.
Se no berço experimentei esta fome humana, ela continua a me acompanhar pela vida afora, como se fosse um destino. A ponto de meu coração se contrair de inveja e desejo quando vejo uma freira: ela pertence a Deus.
Exatamente porque é tão forte em mim a fome de me dar a algo ou a alguém, é que me tornei bastante arisca: tenho medo de revelar de quanto preciso e de como sou pobre. Sou, sim. Muito pobre. Só tenho um corpo e uma alma. E preciso de mais do que isso.
Com o tempo, sobretudo os últimos anos, perdi o jeito de ser gente. Não sei mais como se é. E uma espécie toda nova de "solidão de não pertencer" começou a me invadir como heras num muro.
Se meu desejo mais antigo é o de pertencer, por que então nunca fiz parte de clubes ou de associações? Porque não é isso que eu chamo de pertencer. O que eu queria, e não posso, é por exemplo que tudo o que me viesse de bom de dentro de mim eu pudesse dar àquilo que eu pertenço. Mesmo minhas alegrias, como são solitárias às vezes. E uma alegria solitária pode se tornar patética. É como ficar com um presente todo embrulhado em papel enfeitado de presente nas mãos - e não ter a quem dizer: tome, é seu, abra-o! Não querendo me ver em situações patéticas e, por uma espécie de contenção, evitando o tom de tragédia, raramente embrulho com papel de presente os meus sentimentos.
Pertencer não vem apenas de ser fraca e precisar unir-se a algo ou a alguém mais forte. Muitas vezes a vontade intensa de pertencer vem em mim de minha própria força - eu quero pertencer para que minha força não seja inútil e fortifique uma pessoa ou uma coisa.
Quase consigo me visualizar no berço, quase consigo reproduzir em mim a vaga e no entanto premente sensação de precisar pertencer. Por motivos que nem minha mãe nem meu pai podiam controlar, eu nasci e fiquei apenas: nascida.
No entanto fui preparada para ser dada à luz de um modo tão bonito. Minha mãe já estava doente, e, por uma superstição bastante espalhada, acreditava-se que ter um filho curava uma mulher de uma doença. Então fui deliberadamente criada: com amor e esperança. Só que não curei minha mãe. E sinto até hoje essa carga de culpa: fizeram-me para uma missão determinada e eu falhei. Como se contassem comigo nas trincheiras de uma guerra e eu tivesse desertado. Sei que meus pais me perdoaram por eu ter nascido em vão e tê-los traído na grande esperança. Mas eu, eu não me perdôo. Quereria que simplesmente se tivesse feito um milagre: eu nascer e curar minha mãe. Então, sim: eu teria pertencido a meu pai e a minha mãe. Eu nem podia confiar a alguém essa espécie de solidão de não pertencer porque, como desertor, eu tinha o segredo da fuga que por vergonha não podia ser conhecido.
A vida me fez de vez em quando pertencer, como se fosse para me dar a medida do que eu perco não pertencendo. E então eu soube: pertencer é viver. Experimentei-o com a sede de quem está no deserto e bebe sôfrego os últimos goles de água de um cantil. E depois a sede volta e é no deserto mesmo que caminho.

Clarice Lispector

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* Ainda que não seja o melhor dos dias pra mim, desejo a todas as mães um feliz dia, em especial a Sheila, uma grande mulher e mãe e a minha mãe, onde quer que esteja, que esteja em paz.

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