A Falta de Érico


Falta alguma coisa no Brasil
depois da noite de Sexta-feira
Falta aquele homem no escritório
a tirar da máquina elétrica
o destino dos seres,
a explicação antiga da terra.
Falta uma tristeza de menino bom
caminhando entre adultos
na esperança da justiça
que tarda - como tarda!
a clarear o mundo.
Falta um boné, aquele jeito manso,
aquela ternura contida, óleo
a derramar-se lentamente,
falta o casal passeando no trigal.
Falta um solo de clarineta.


Carlos Drummond de Andrade




Quando Veríssimo morreu, em 28 de novembro de 1975, Carlos Drummond de Andrade lhe escreveu este poema elegíaco. Dava voz ao Brasil diante de tamanha perda.

O menino Érico vivia mais no mundo da imaginação do que na realidade. Era tímido, retraído, sem muita facilidade com números, mas muito bom em redação. Leitura e cinema o encantavam.
Em 1930 decide tornar-se escritor. Sábia decisão. Muitos livros depois e uma obra fecunda dão aval a essa escolha.
Sua temática é tipicamente brasileira e, mais que isso, regional, gaúcha. A tentativa de recriação genealógica e social da história do Rio Grande do Sul atingiu seu ponto culminante na trilogia O Tempo e o Vento: O Continente, O Retrato, e O Arquipélago.

Veríssimo costumava escrever em uma sala escura, praticamente vazia, onde apenas a máquina de escrever lhe vazia companhia. Tinha nos netos os maiores críticos, ao escrever um livro infantil, testava-o com eles, se gostavam, então era porque a história era boa.
Muito da biografia de Veríssimo se confunde com sua obra: seu tio Nestor e seu pai Sebastião inspiraram Toríbio e Rodrigo Terra Cambará de O Tempo e O Vento, e alguns episódios de sua vida encontram-se nas vidas de Vasco, Eugênio e Floriano, esse último uma alma gêmea filosófica do autor.
Tibicuera, herói de um de seus livros infantis, é o apelido pelo qual sua mãe o chamava.

Antes da crítica o reconhecer, mereceu amplo favor público, para afinal ser aceito em todas as áreas. Resistindo ao tempo, sua obra permanece nas livrarias em sucessivas edições.



Clarissa


Sem sono, Clarissa debruça-se à janela. A noite está clara. Refrescou.
Uma lua enorme, cheia, muito clara. Os quintais estão raiados de sombra e de luz. parece que o disco da lua se enredou entre a ramagem folhuda do plátano grande do quintal da casa onde D. Tatá morava.
O relógio, na sala, bate onze horas.
Cabeça encostada na vidraça, Clarissa pensa...
Como o tempo passou... Parece que o ano começou ontem. Entretanto, quanta coisa aconteceu! Sempre desejou voltar para casa. Mas agora que o dia da partida se aproxima, ela sente algo de esquisito no peito, uma espécie de saudade antecipada. Vai sentir falta de tudo isto, de todos estes aspectos de todas essas caras, de todos estes ruídos. Vai se lembrar sempre do papagaio que sabe dizer o seu nome, do gato que lhe roça preguiçosamente pelas pernas, da siá Andreza que vive na cozinha como uma
gata borralheira. Sentirá falta de tia Zina, do Tio Couto, de Amaro. E quem sabe se também de Ondina e Nestor; a vida é tão engraçada... Nunca mais lhe sairá da memória a risada contente do major...
Fora, o luar cresce, tênue, inundando a paisagem.
Clarissa infla as narinas. Parece-lhe que o luar tem um perfume todo especial. Se ela pudesse pegar o luar, fechá-lo na palma da mão, guardá-lo numa caixinha ou no fundo de uma gaveta para soltá-lo nas noites escuras...


Erico Veríssimo


Leia: http://www.releituras.com/everissimo_general.asp
http://www.suigeneris.pro.br/everissimo.htm

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