Vou dormir
Poema escrito por Alfonsina Storni momentos antes do suicídio.

Dentes de flores, coifa de orvalho
mãos de ervas, tu, amável nutriz,
prepara-me os lençóis de terra
e a colcha de musgos capinados.

Vou dormir, ama-de-leite, deita-me,
põe uma lâmpada na minha cabeceira,
uma constelação qualquer;
todas são boas; inclina a luz mais um pouco.

Deixa-me só: ouve brotar os ramos...
lá do alto do céu um pé te embala
e um pássaro desdenha teus compassos


para que esqueças... Gracias. Ah, um recado:
se ele chamar novamente ao telefone
diga-lhe que não insista, que me fui...




Esse seria o último poema escrito por Alfonsina Storni antes de atirar-se ao mar. O mesmo mar que tantas vezes esteve presente na poesia dela.
Alfonsina Storni nasceu em 29 de maio de 1892, em Sala Capriasca, Suíça. Mas sua vida seria na Argentina para onde sua família imigrou em 1896.

"Ela escrevia com a intuição. Os poemas vinham à sua mente "prontos na forma e no conteúdo. Quase em transe ela escrevia a maioria dos sonetos em poucos minutos, a lápis, em um lugar público, um veículo em movimento, ou em seu leito, acordando a toda hora"- ainda que depois gastasse meses em revisões. Seus livros foram escritos aos poucos, entre tarefas esmagadoras que a impediram de "serenar-me, completar minha cultura, fazer uma sossegada obra de arte."

Poeta de natureza apaixonada, desvendava as paixões de cada um nas linhas sinuosas de seus poemas. Celebrava seus impulsos eróticos sem pudores ou hipocrisia. Após sua morte era declamada com igual paixão pelo povo, nas esquinas, nas ruas pelos amantes que encontravam eco em sua poesia.




A carícia perdida

Sai-me dos dedos a carícia sem causa,
Sai-me dos dedos... No vento, ao passar,
A carícia que vaga sem destino nem fim,
A carícia perdida, quem a recolherá?
Posso amar esta noite com piedade infinita,
Posso amar ao primeiro que conseguir chegar.
Ninguém chega. Estão sós os floridos caminhos.
A carícia perdida, andará... andará...
Se nos olhos te beijarem esta noite, viajante,
Se estremece os ramos um doce suspirar,
Se te aperta os dedos uma mão pequena
Que te toma e te deixa, que te engana e se vai.
Se não vês essa mão, nem essa boca que beija,
Se é o ar quem tece a ilusão de beijar,
Ah, viajante, que tens como o céu os olhos,
No vento fundida, me reconhecerás?

Alfonsina Storni



Levou uma vida de privação e solidão. Começou cedo a trabalhar. Foi caixa, balconista, atriz e professora, precisava sustentar a si e ao único filho que teve, Alejandro.
Com a publicação de seus livros alcançou alguma estabilidade, ainda que financeira, emocionalmente suas angústias apropriavam-se de corpo e mente. Frequentou rodas literárias, recebeu um importante prêmio, fez conferências, teve oito livros publicados. Andou pelo mundo e voltou para casa.
Um câncer no seio, decepções, o suicídio de seu melhor amigo, o escritor Horacio Quiroga levaram Alfonsina de encontro ao mar ou de volta a ele, presença constante em sua vida. Sereno, a espera, acolheu-a definitivamente em outubro de 1938.
Seu corpo seria encontrado no dia 25 de outubro de 1938 na praia de La Perla, onde hoje há um monumento em sua homenagem.




Leia: http://www.anamirandaliteratura.hpg.ig.com.br/carosamtex3.htm
http://www.contenidos.com/literatura/storni/vida.htm

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